PRA

Joana Aguiar Rodrigues

Associada Sénior | Penal e Contraordenacional
PRA

Marina Bessa Sousa

Associada | Contencioso e Arbitragem

Junho 5, 2025

A “Lei da Violência Obstétrica” e Reações: Segurança jurídica ou ataque de classes? - Parte I

Joana Aguiar Rodrigues e Marina Bessa Sousa explicam a "Lei da Violência Obstétrica". Em que consiste, a que obriga, as penalizações e a criação da Comissão Multidisciplinar para os Direitos na Gravidez e no Parto.

No início do mês de abril, entrou em vigou a Lei n.º 33/2025, de 31 de março, que pretende promover os direitos na gravidez e no parto, alterando a Lei n.º 15/2014, de 21 de março – que consagrou os direitos e deveres do utente dos serviços de saúde.

A Lei n.º 33/2025 destaca-se por estabelecer, pela primeira vez no ordenamento jurídico português, a definição do conceito da violência obstétrica. Na verdade, este tema vinha já a ser alvo de acérrima discussão, desde pelo menos 2021 – altura em que proliferaram estudos, nacionais e internacionais, relativos ao tratamento das mulheres grávidas (em especial da parturiente) por parte de profissionais de saúde e dos próprios estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.

Com efeito, pese embora já existissem orientações europeias (dirigidas a Portugal) no sentido de reforçar a proteção dos direitos e eliminar a violência contra as mulheres, multiplicavam-se as dúvidas acerca da necessidade de definir o conceito de “violência obstétrica” – sem prejuízo da resistência que foi sendo apresentada pelas ordens profissionais dos Médicos e dos Enfermeiros.

Assim, a Lei n.º 33/2025 comporta a primeira definição legal portuguesa de “violência obstétrica”, consignando que se trata da “ação física e verbal exercida pelos profissionais de saúde sobre o corpo e os procedimentos na área reprodutiva das mulheres ou de outras pessoas gestantes, que se expressa num tratamento desumanizado, num abuso da medicalização ou na patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de proteção na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério.

Este normativo estabelece, ainda, a obrigatoriedade de serem registados não só todos os atos e procedimentos levados a cabo (acompanhados da correspetiva fundamentação clínica), mas também de todos os desvios (e respetivas justificações), relativamente ao plano de nascimento estabelecido pela parturiente.

O diploma vai mais longe e consagra que a realização de episiotomias de rotina e de outras práticas reiteradas não justificadas são objeto de penalizações no financiamento e sanções pecuniárias a aplicar aos hospitais, sempre que desrespeitem as recomendações da Organização Mundial de Saúde e os parâmetros definidos pela Direção-Geral da Saúde, bem como de inquérito disciplinar aos profissionais de saúde – sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal que possa estar em causa. Por outras palavras, a execução de procedimentos médicos sem justificação clínica implica, por si só, a promoção das referidas medidas.

Por fim, o diploma cria uma Comissão Multidisciplinar para os Direitos na Gravidez e no Parto, a quem incumbirá promover campanhas informativas sobre os direitos na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério, assim como campanhas de sensibilização pelo respeito destes direitos, elaborando um relatório anual de satisfação relativamente a estes cuidados de saúde.

Desde a publicação do sobredito diploma, várias foram as reações por parte de profissionais de saúde, associações e ordens profissionais, que serão alvo de análise em publicação futura.

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