Joana de Sá
Luís Gonçalves Lira
Junho 27, 2022
Trabalho suplementar dos médicos nos serviços de urgência e de atendimento permanente das unidades de saúde dos Açores
Foi publicada a Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 25/2022/A de 23 de junho de 2022, que recomenda ao Governo Regional dos Açores que adote as seguintes medidas:
- Aplique uma majoração do trabalho extraordinário a partir do limite de horas previsto na lei em presença física e o dobro desse limite nas horas efetuadas em regime de prevenção.
- Acabe com a desconexa distinção vigente no pagamento da primeira hora extraordinária e as sucessivas, nas noites semanais, bem como todo o sábado, domingo e feriados.
- Passe a remunerar a todos os médicos as horas extraordinárias no período noturno semanal das 20 às 8 horas do dia seguinte a duas vezes o valor base e a 2,5 vezes o valor base das 0 à 8 horas de segunda-feira ou dia útil após um feriado.
- Majore o sábado das 8 às 13 horas a todos os médicos de modo a fazer equivaler o valor hora ao das 13 às 20 horas, isto é, passar o índice de todas as horas de 1,5 para 2 vezes o valor base.
- Mantenha os restantes índices para os demais períodos para todos os médicos.
- Tenha como base no cálculo do trabalho suplementar médico o valor da sexta posição remuneratória de assistente da nova tabela remuneratória (€3.091,94), exceto quando o seu salário base auferido seja logicamente superior.
- Aplique este sistema aos serviços de urgência abertos 24 horas nos hospitais e USI, onde seja praticado trabalho extraordinário por extrema e imperiosa necessidade para o seu funcionamento e apenas quando estiverem esgotadas todas as alternativas de trabalho normal e esgotadas as horas extras legalmente permitidas entre todos os elementos que possam fazer parte das escalas.
Vejamos, Portugal e muitos países europeus debatem-se com crises sanitárias que, quer durante a pandemia, quer posteriormente, em pleno tempo de recuperação, vieram realçar a incapacidade de resposta do setor público e também, inclusivamente, do privado. A desorçamentação, a falta de estratégia e planeamento, o deficit de pessoal e o envelhecimento de classes profissionais estão possivelmente entre as causas fundamentais dessa crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A Região Autónoma dos Açores (RAA) não foge a esta regra, agravada pelas condições geográficas em que se insere. Urge, pois, com celeridade, investir nas infraestruturas e no parque tecnológico, na fixação de profissionais e apelar a mais um esforço suplementar, se é que tal ainda é possível, do pessoal no ativo, para que, até à melhoria desta situação, continue a dar a melhor resposta possível à nossa comunidade em cuidados de saúde.
Relativamente ao trabalho extraordinário, aquele que é feito para além do normal horário de trabalho, o trabalhador médico (como qualquer outro!) é obrigado a realizar a prestação de trabalho extraordinário, salvo quando, havendo motivos atendíveis e inadiáveis, expressamente solicite e obtenha a sua dispensa pelo tempo indispensável, sendo o limite anual da duração de trabalho extraordinário de 150 horas.
Nas instituições de saúde, habitualmente, o trabalho extraordinário, de acordo com o Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, é efetuado em regime presencial ou em regime de prevenção, sendo este último remunerado a 50 % do valor anterior.
A sustentação do Serviço Regional de Saúde (SRS) sempre passou e passa, infelizmente, mas inevitavelmente, pelo recurso ao trabalho extraordinário, situação agravada pela falta de profissionais.
Genericamente, o trabalho extraordinário deve constituir apenas um regime de recurso, para situações excecionais e imprevisíveis, justificável quando tal seja imprescindível para o normal funcionamento de uma organização e não pode ser um modus operandi sistemático para evitar a contratação de pessoal.
No caso concreto dos médicos, acaba por ocorrer de uma forma previsível e regular, habitualmente ao nível do serviço de urgência, quer por escassez involuntária de profissionais, quer por escassez deliberada desses mesmos profissionais, neste caso, entenda-se, possivelmente pelo facto de não ser eficiente uma dotação excessiva de clínicos em determinados serviços e em determinadas instituições de saúde, exclusivamente para completar escalas dos serviços de urgência.
A realidade é que os médicos têm acedido realizar trabalho extraordinário, voluntariamente, por motivos éticos e deontológicos e também porque, devido aos seus «baixos» salários, sempre encontraram nesse trabalho extraordinário alguma forma de compensação, sobretudo quando não optam pela simultânea atividade privada. No entanto, a melhoria remuneratória da atividade privada, outrora os cortes nos cálculos das horas extraordinárias, o baixo valor/hora aliado à não progressão nas carreiras e as más condições laborais levaram cada vez mais profissionais a efetuar estritamente o trabalho suplementar previsto na legislação.
Aliás, mais do que nunca, nos dias de hoje, se fosse adotado o cumprimento de horários normais durante as noites e fins-de-semana, em função das urgências, sem recurso ao trabalho extraordinário, haveria certamente uma disrupção grave nos serviços e nas suas atividades de rotina.
A situação atual é, pois, altamente preocupante, pois é uma classe envelhecida, os concursos públicos ficam desertos, os médicos abandonam o SNS e já muitos dos que se mantêm recusam prolongar os horários de trabalho no serviço de urgência, seja por idade, seja pelo limite legal. Também é sobejamente sabido que a dificuldade em contratar médicos é francamente superior que noutras classes do setor da saúde.
Portanto, se é certo que o trabalho extraordinário nunca deve prevalecer sobre a contratação de profissionais e não deve ultrapassar involuntariamente o limite plasmado na legislação, então, a ser de facto mesmo necessário e continuado, pelo menos acima daquele limite, pode e deve ter outra forma majorada na remuneração, como forma de recompensar o esforço acrescido a que os profissionais estão sujeitos.
Na RAA, que tem sido muito afetada pela sua realidade insular e ultraperiférica, foi já aprovada uma nova legislação com vista a melhorar as condições de fixação de especialistas. Não podendo os hospitais e USI depender exclusivamente de prestadores, que nem sequer sempre estão disponíveis, é necessário aliciar os médicos residentes, sobretudo os mais jovens, a realizar trabalho suplementar, note-se bem, na medida do possível, de forma totalmente voluntária, salvaguardando sempre o direito às folgas e descansos compensatórios e, sobretudo, com uma recompensa justa. Esta questão dos prestadores é também praticamente exclusiva na classe médica.
Nos Açores, acrescem quase sempre a este custo as despesas de deslocação, alojamento e muitas vezes viatura, pagos pela instituição, cujos valores são variáveis, e, quando divididos pelas horas totais trabalhadas, se o volume de tempo não for elevado, agravam o valor hora final. Por exemplo, considerando uma viagem de 250 (euro) e um mínimo de 280 (euro) por sete dias de alojamento, para uma prestação de 96 horas, o valor hora agrava-se em, pelo menos, 5,50 (euro). São, pois, valores relevantes que devem ser considerados.
Assim, qualquer aumento remuneratório das horas extraordinárias do pessoal do mapa, que será sempre um último recurso, deve ter em conta a capacidade orçamental, equiparar-se pelo menos em termos brutos com o valor dos prestadores oferecido pelos concorrentes, públicos e privados, a logística associada, bem como o seu montante final não deve contribuir para inflacionar este mercado de trabalho, se for demasiado elevado. É este o exercício a efetuar.
Sem dispor de dados oficiais para calcular o impacto orçamental exato destas medidas, não incluindo as futuras progressões para a categoria de graduado e mantendo igual o número de elementos escalados habitualmente nos serviços de urgência, estima-se que a eliminação do diferencial entre a primeira hora e sucessivas e a majoração do período das 8 às 13 horas de sábado e das noites semanais em dia útil e das segundas-feiras, envolvendo todos os médicos, tenham, no imediato, um acréscimo anual estimado em cerca de 5,5 % na despesa com todas as atuais horas extraordinárias, enquanto o pagamento do trabalho extraordinário com base no sexto escalão de assistente, isoladamente, terá um aumento aproximado de 11 %, mas, note-se bem, neste caso exclusivamente em relação à minoria de médicos ainda posicionados nos primeiros escalões de assistente da nova tabela remuneratória, ou seja, os médicos mais jovens, até alcançarem o grau, dos quais desconhecemos o seu número. O acréscimo na despesa é, assim, temporário e, à medida que os quadros se preenchem e os médicos progridem na carreira, será cada vez mais residual.