Catarina Costa Lopes
Gustavo Borges Oliveira
Novembro 21, 2024
Alteração ao Regime da Gestão de Ativos – Decreto-Lei n.º 89/2024, de 18 de novembro
Define-se como gestão de ativos a atividade em que alguém assume a responsabilidade por gerir e administrar um conjunto de bens, podendo esta ser realizada a um nível individual, através da gestão individualizada de carteiras de instrumentos financeiros, atividade esta que se rege pelo Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, ou a um nível coletivo, a qual consubstancia a gestão de investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores por meio de organismos de investimento coletivo (OIC).
No que concerne ao seu âmbito regulatório, vigora atualmente no ordenamento jurídico português dois diplomas que surgem como pilares essenciais à regulação do fenómeno da gestão dos ativos, a saber: (i) o Decreto Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, que aprovou o Regime da Gestão de Ativos (RGA), e que veio consequentemente revogar os anteriormente vigentes Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC), aprovado pela Lei 16/2015, de 24 de fevereiro, e Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (RJCRESIE), aprovado pela Lei n.º 18/2015; e o (ii) Regulamento da CMVM n.º 7/2023 que veio aprovar a Regulamentação do Regime da Gestão de Ativos (RRGA), que tal como o nome indica representa a continuidade das linhas orientadoras do RGA, e que para além de preservar as soluções preconizadas no supracitado diploma, pretendeu ainda incrementar as soluções regulatórias em matéria de simplificação e de proporcionalidade, com vista a promover a competitividade e eficiência no mercado nacional, e especialmente a proteção do investidor.
Quer o RGA, quer o RRGA, representam uma reforma profunda do enquadramento jurídico nacional aplicável aos organismos de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras.
Deste modo, apesar de não podermos considerar a sua vigência como uma novidade no acervo legislativo que vigora no ordenamento jurídico português, uma vez que o RGA entrou em vigor 30 dias após a sua publicação que ocorreu em abril de 2023 e o RRGA por sua vez em 1 de janeiro de 2024, evidencia-se que a sua não muito antiga vigência poderá ainda culminar na necessidade de se vir a aprimorar o conteúdo e respetivo enunciado dos supracitados normativos, de forma a proceder a uma adaptação das normas em função daquela que é a realidade transmutável da gestão de ativos, não só um nível nacional, mas sobretudo a um nível global.
Nesse conspecto, o Conselho de Ministros do XXIV Governo Constitucional, face à necessidade de coadunar e adaptar a realidade nacional da gestão de ativos com aquelas que são as práticas e o contexto internacional, veio no âmbito da sua Reunião de 19 de outubro de 2024 aprovar um Decreto-Lei que clarifica alguns aspetos do Regime da Gestão de Ativos, permitindo às Sociedades Gestoras de Grande Dimensão investirem os montantes que excedam os fundos próprios legalmente exigíveis em determinadas condições, sendo que, conferem por sua vez competência à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) para regulamentar os termos em que o investimento mencionado pode ocorrer.
Antes de se proceder à enunciação e análise do respetivo conteúdo do Decreto-Lei n.º 89/2024, de 18 de novembro que consiste per si na culminação e exteriorização do aprovado em sede de Conselho de Ministros de 19 de outubro de 2024, releva-se essencial analisar o regime que vigorava aquando da publicação deste normativo 18 de novembro.
Num primeiro momento, com o objetivo de elucidar o conceito de Sociedade Gestora de Grande Dimensão, há que atentar no disposto no artigo 7.º do RGA, o qual define que a diferenciação de categorias para cada Sociedade Gestora irá variar em consonância com os ativos que se encontram sob gestão, e que por sua vez excedam (grande dimensão) ou não (pequena dimensão) os seguintes limiares (i) 100.000.000€ (cem mil euros) e que consubstanciem ativos adquiridos através de recurso ao efeito de alavancagem ou, (ii) 500.000.000€ (quinhentos mil euros) e não consubstanciem ativos que foram adquiridos recorrendo ao efeito de alavancagem e com relação aos quais não seja possível exercer quaisquer direitos de reembolso que possam vir a ser exercidos durante um período de 5 (cinco) anos a contar da data em que ocorreu o investimento inicial.
Já com relação à temática dos fundos próprios, a redação do artigo 31.º do RGA, clarifica no seu n.º 1 que, “A sociedade gestora tem, a todo o tempo, fundos próprios iguais ou superiores ao maior dos seguintes montantes: a) O montante do capital inicial mínimo, acrescido, caso aplicável, do montante referido no n.º 3; b) O montante baseado em despesas gerais fixas nos termos da legislação da União Europeia relativa aos requisitos prudenciais das empresas de investimento.”. Por sua vez, acrescenta o n.º 3 que “Quando o valor líquido global das carteiras sob gestão exceder (euro) 250 000 000, a sociedade gestora constitui um montante de fundos próprios suplementar calculado nos seguintes termos: a) 0,02 % sobre o montante do valor líquido global das carteiras sob gestão que exceda (euro) 250 000 000; e b) A soma do montante suplementar referido na alínea anterior e do capital inicial mínimo não pode ser superior a (euro) 10 000 000.”.
Ainda neste âmbito, mas já com relação à possibilidade de investimento dos fundos próprios explana o n.º 7 do suprarreferido artigo: “Os fundos próprios previstos no presente artigo: a) São investidos em ativos líquidos ou prontamente convertíveis em numerário no curto prazo; b) Não incluem posições especulativas.”. Tal disposição encontra posteriormente semelhança com o estatuído no âmbito do artigo 176.º do RGA, verificando-se assim que é admissível o investimento de fundos próprios sobretudo em ativos líquidos ou de elevada liquidez a curto prazo, pelo que não visou o legislador, com tal redação, proceder à criação de reservas de capital próprio estanques e inamovíveis da estrutura de capital da sociedade.
Ora, realça-se assim que a obrigação de manutenção dos fundos próprios releva sobretudo para a definição das regras de natureza prudencial que se aplicam às sociedades supervisionadas do sistema financeiro, in casu, Sociedades Gestoras de Organismos Coletivos, e que, ao definir tais requisitos o legislador visou em última instância proporcionar e exigir uma garantia de solvabilidade às sociedades gestoras, influindo na decisão sobre a estrutura de capital a adotar pelas sociedades supervisionadas, de forma a assegurar uma gestão sã e prudente das mesmas e a proporcionar níveis estáveis de liquidez.
Com o Decreto-Lei n.º 89/2024, de 18 de novembro visou-se assim densificar e clarificar a suscetibilidade e modo de investimento de fundos próprios Sociedades Gestoras de Grande Dimensão, admitindo-se assim o investimento de montantes que excedam os fundos próprios legalmente exigíveis em determinadas condições, pelo que foi aditado o n.º 8 ao artigo 31.º, com a seguinte redação: “A sociedade gestora pode investir os montantes que excedam os fundos próprios, exigíveis nos termos da lei, desde que o investimento seja, a todo o tempo, acessório em relação à atividade principal, e sejam prevenidos os conflitos de interesses, competindo à CMVM regulamentar os termos em que essa atividade pode ocorrer.”. Destarte, impôs assim o legislador os seguintes requisitos com referência à atividade de investimento de fundos próprios pela sociedade gestora:
▪️ A atividade de investimento de fundos próprios tem de ser uma atividade acessória à atividade principal de gestão dos ativos em carteira;
▪️ Que sejam prevenidas quaisquer situações de conflitos de interesse que possam advir dessa mesma atividade.
Deste modo, em adição aos motivos já referidos de garantia de solvabilidade e de densificação e aclaração da temática, o Decreto-Lei n.º 89/2024 visa ainda garantir que as Sociedades Gestoras Ativos de Grande Dimensão possam concorrer nos mercados com as mesmas condições que as suas congéneres europeias, porque até ao presente momento encontravam-se limitadas na sua capacidade de intervenção e da amplitude de recursos que podiam mobilizar tendo em vista a atuação nos mercados, encontrando-se as suas Políticas de Investimento simultaneamente limitadas nesse sentido, robustecendo as condições de investimento e a aprazibilidade do mercado nacional da gestão de ativos.