Outubro 24, 2023
Alterações ao Arrendamento Habitacional: Os limites às novas rendas e os contratos “vitalícios”
A crise na habitação em Portugal tem sido objeto de diversos debates, dado que vem arrastando e levando diversas famílias para o limiar da pobreza, com o aumento das suas carências sociais e económicas. O flagelo do mercado de arrendamento habitacional não é um problema novo e veremos, a breve trecho, se as medidas de proteção aprovadas serão suficientes, com o necessário equilíbrio entre o direito à habitação dos arrendatários e o direito à propriedade privada dos senhorios.
Os limites às rendas nos novos contratos de arrendamento
A renda inicial dos novos contratos de arrendamento habitacionais, celebrados a partir de 7 de outubro e até 31 de dezembro de 2029, terão limitações à sua aplicação, importa por isso debruçarmo-nos sobre qual foi a intenção do legislador versus o que escorreitamente se escreveu e as várias ambiguidades que poderemos ter com que nos deparar.
Caso no imóvel tenha vigorado contrato de arrendamento celebrado nos cinco anos anteriores, não pode a renda mensal exceder o valor da última praticada naquele imóvel, acrescida do coeficiente de 1,02 (2%). Este limite de 1,02 (2%) sobre o valor da última renda não se aplica aos imóveis cuja renda em contrato anterior não exceda os limites de preço por tipologia, previstos no Programa de Arrendamento Acessível (Decreto-lei n.º 68/2019 e Portaria n.º 176/2019). Nos casos em que o valor da renda no contrato anterior não excedeu o limite de preços por tipologia, o diploma não concretiza ou estabelece concretamente qualquer limitação, podendo entender-se, então, que o Senhorio poderá negociar livremente com o Arrendatário o valor da renda mensal a praticar, sem qualquer limitação, embora possa não ser essa a intenção real do legislador.
No entanto, se o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tiver sido objeto de uma ou mais atualizações legalmente permitidas, ao valor da renda mensal podem ainda aplicar-se os coeficientes anuais dos últimos três anos (artigo 24.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro e artigo 1077.º do Código Civil), sendo que para o ano de 2023, ao invés da aplicação do coeficiente do 1,02 (2%), conforme delimitado pela conhecida “norma travão” da Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, aplicar-se-á o coeficiente de 1,0543 (5,43%). Cumpre acautelar que o coeficiente legalmente estabelecido para o ano de 2021 foi de 0,9997, o que determinaria, ao inverso, uma redução mensal da renda e por esse motivo não terão os Senhorios qualquer interesse na atualização da renda com fundamento neste coeficiente anual. Assim e a título de exemplo, caso a última renda praticada no imóvel tenha sido de €500,00, pode agora o Senhorio praticar a nova renda mensal de €540,00 (500,00×1,0043 (coeficiente legal de 2022) = €502,15; €502,15 x 1,0543 (coeficiente legal de 2023) = €529,42; €529,42 x 1,02 (coeficiente ora previsto) = €540,00).
Ressalvando que a atualização do valor mensal da renda pelos coeficientes dos últimos três anos somente será possível nos casos em que tal aplicação fosse admissível legalmente no contrato imediatamente anterior ao que se pretende celebrar. Significando que, se estivermos perante um contrato de arrendamento sujeito a prazo certo de um ano e sem renovações, tal aplicação dos coeficientes legais anteriores não sucederia, pelo que, não poderá agora o Senhorio aplicar estas atualizações à renda a praticar no novo contrato.
Para além disso, os coeficientes previstos só podem ser aplicados uma vez a cada ano civil. Pelo que, caso o Senhorio celebre mais do que um novo contrato de arrendamento no imóvel durante o mesmo ano civil, não poderá, novamente, aplicar a referida atualização.
Como exceção à limitação em causa e tendo em conta o equilíbrio na relação entre senhorio e arrendatário face à necessidade de melhorar as condições habitacionais dos imóveis, estabeleceu-se ainda que, no caso dos imóveis que tenham sido objeto de obras de remodelação ou restauro profundos, devidamente atestadas pela Câmara Municipal, à renda dos novos contratos pode acrescer ainda o valor relativo às correspondentes despesas suportadas pelo senhorio, até ao limite anual de 15%. A redação desta disposição cria bastantes ambiguidades, nomeadamente: o percentual aplicar-se-á ao valor das obras realizadas pelo Senhorio, ou, por outro lado, ao valor da renda aplicado segundo os critérios referidos? E o aumento ocorre somente no momento da aplicação da renda inicial, ou em cada ano de contrato e até que o valor despendido com as obras esteja concretizado, o Senhorio tem a possibilidade de acrescentar mais 15% ao valor mensal da renda? A redação da norma é, pois, bastante infeliz, podendo dar azo a interpretações que não correspondem à real intenção do legislador.
O alcance deste aumento estará limitado às obras de remodelação e restauros profundos, devidamente atestados pela Câmara Municipal. No entanto, considerando que existem diversas obras que não exigem legalmente qualquer licenciamento ou vistoria camarária para o efeito, tal poderá desincentivar ainda mais os Senhorios a realizarem remodelações interiores e que melhorariam as condições habitacionais, porquanto, nenhuns benefícios poderão retirar, ainda para mais com as limitações impostas para as rendas dos novos contratos.
Por outro lado, para os imóveis nos quais não tenha sido celebrado qualquer contrato de arrendamento nos últimos cinco anos, a norma não limita a renda a ser praticada, permanecendo no âmbito da negociação entre as partes essa estipulação. Tal circunstância é ainda percetível face aos benefícios na redução a nível tributário, determinando-se que o benefício da redução da taxa base de IRC e IRS sobre os rendimentos prediais decorrentes dos contratos de arrendamento para habitação, não se aplicam no caso de a renda praticada exceder em 50% os limites gerais por tipologia determinado pelo Regulamento do Programa de Arrendamento Acessível.
Embora se pretenda incentivar a colocação de novos imóveis no mercado de arrendamento habitacional, parece existir uma incoerência e uma distinção perigosa entre os casos em que foi celebrado um contrato de arrendamento nos últimos cinco anos e os casos em que tal não aconteceu. Pois, neste último caso, a determinação da renda a praticar no contrato de arrendamento fica inteiramente dependente da negociação entre as partes, sabendo-se que, face ao atual mercado, a parte arrendatária é a mais fragilizada, dada a pouca oferta e a excessiva procura, o que, em muitos casos, se traduz numa aceitação do arrendatário por mera necessidade, que não terá qualquer poder negocial. E mesmo prevendo-se um desincentivo fiscal nos casos em que a renda praticada exceder em 50% os limites gerais por tipologia, tal poderá não compensar o Senhorio face à renda que conseguir vir a negociar com o arrendatário no mercado habitacional atual. Para além de que, serão sempre beneficiados os diversos Senhorios incumpridores, que ao longo dos anos não declararam os contratos de arrendamento celebrados e, por isso, poderão “adaptar-se” facilmente ao valor limite das novas rendas a praticar.
Contratos “Vitalícios” – Contratos habitacionais anteriores a 1990.
A preocupação do legislador com os arrendatários nos contratos habitacionais celebrados antes do ano de 1990, já decorria da reforma de 2006, considerando que, nestes casos, os arrendatários são na sua maioria pessoas idosas ou com graves carências económicas e sociais, que celebraram os seus contratos num momento em que o mercado habitacional não era como atualmente o conhecemos.
Com a reforma de 2006, estes contratos de arrendamento poderiam ser objeto de transição para o novo regime (NRAU), com a consequente atualização da renda e fixação de um prazo, sendo que, somente nos casos em que o arrendatário invocasse e comprovasse que o seu agregado familiar tinha um RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) inferior a cinco RMNA (Retribuição Mínima Nacional Anual), o contrato ficaria submetido ao novo regime (NRAU) mediante acordo das partes ou no prazo de 10 anos após a resposta do arrendatário. No entanto, caso os arrendatários invocassem ter idade igual ou superior a 65 anos ou ter um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, o contrato somente poderia transitar para o novo regime (NRAU) mediante acordo de ambas as partes. Sendo que, em ambos os casos, seria aplicada uma atualização de renda com limite no correspondente ao valor de 1/15 do Valor Patrimonial do Imóvel (“VPT”, definido nos termos do artigo 38.º do CIMT).
Com as novas medidas, o contrato de arrendamento habitacional celebrado antes do ano de 1990, que não tenha transitado, entretanto e antes de 7 de outubro de 2023, não poderá agora ser objeto de transição para o novo regime (NRAU), seja mediante acordo entre as partes ou pelo decurso do prazo de 10 anos, nos seguintes casos:
▪ Quando o RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) do agregado familiar do arrendatário seja inferior a cinco RMNA (Retribuição Mínima Nacional Anual);
▪ Quando o arrendatário possui idade igual ou superior a 65 anos ou uma deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%;
▪ E quando resida no locado, há mais de cinco anos, cônjuge, unido de facto ou parente do arrendatário no primeiro grau da linha reta, que tenha igual ou superior a 65 anos ou uma deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%;
Nestes casos, não será possível transitar o contrato para o novo regime (NRAU), mantendo-se o mesmo em vigor e por um prazo indeterminado, sendo que a renda somente poderá ser atualizável segundo os coeficientes legais aplicados em cada ano, sobre o valor da renda em vigor. O diploma é, porém, omisso quanto ao coeficiente legal a aplicar para o ano de 2023 nestes casos, surgindo então a incerteza se a atualização ocorre pela aplicação do coeficiente da “norma travão” de 1,02 ou pelo considerado neste diploma para o ano de 2023 nos novos arrendamentos, que é de 1,0543.
Com as medidas em causa e na tentativa de se colmatar o desequilíbrio criado durante este período, face à ausência da possibilidade do Senhorio aumentar a renda num contrato de duração indeterminada, foram previstas medidas fiscais em benefício dos mesmos, nomeadamente, com a isenção em sede de IRS ou IRC, sobre os rendimentos prediais auferidos com o arrendamento, bem como de isenção no pagamento do IMI do imóvel. No entanto, tais medidas fiscais podem não ser suficientes, considerando que as rendas nestes contratos de arrendamento “vitalícios” são na larga maioria reduzidas e os imóveis são antigos, o que se traduz, naturalmente, na aplicação de um Imposto Municipal (IMI) também reduzido.