Mariana Osório de Castro
Rui Souto
Joana de Oliveira Pinto
Francisca Santos Costa
Janeiro 16, 2025
Desvinculação de Aval em Título em Branco por Ex-Sócios
Foi publicado na 1ª série do Diário da República, no dia 8 de janeiro de 2025, o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2025, o qual, assume particular relevância no contexto bancário e financeiro porquanto veio clarificar a jurisprudência num tema que tem vindo a ser bastante discutido – a possibilidade de um ex-sócio de uma sociedade se poder vir a desvincular de um aval prestado em título em branco enquanto ainda assumia a posição de sócio na empresa.
Este Acórdão veio admitir a possibilidade de denúncia quanto a um aval previamente dado em livrança em branco por um ex-sócio de uma sociedade comercial.
O Aval é um negócio jurídico no âmbito do qual o avalista assume a responsabilidade de garantir o pagamento da obrigação do subscritor, inscrita no título cambiário, i.e., na letra ou livrança.
Para que o título seja considerado válido, deve conter todos os elementos essenciais exigidos pela Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (“LULL”), sendo que a ausência desses elementos implica a inexistência do aval, conforme disposto no artigo 76.º da LULL.
Note-se que existia já um Acordão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) relacionado com a matéria aqui em causa – o AUJ do STJ nº 4/2013 havia já determinado que em caso de prestação de um aval de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista que seja sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, mesmo que, entretanto, este tenha vindo a ceder a sua participação social na sociedade avalizada.
Ora, a jurisprudência em apreço veio fixar uma distinção entre o aval “completo” e o aval prestado em livrança em branco – aliás em linha com o que era já o nosso entendimento. A distinção entre estas duas figuras é fundamental para contextualização desta decisão.
Ora, o “aval em branco” dá-se quando é aposta assinatura no título em branco, e poderá vir a valer como aval cambiário uma vez preenchido o título; por outro lado, o “aval completo” dá-se quando o aval cambiário é prestado em título completo, no caso, em livrança completa com todos os seus elementos essenciais preenchidos.
Aquele que presta aval num título completo sabe, ab initio, qual o montante máximo da obrigação que pode ter de vir a assumir e a partir de que momento terá de o fazer; já o avalista de uma livrança em branco, não sabe qual a quantia pela qual pode vir a ter de responder, nem até quando tal pagamento lhe poderá ser exigido.
O AUJ n.º 1/2025 distingue-se do AUJ n.º 4/2013, que não admitia desde logo a denúncia de aval prestado em título completo, mesmo após a cessão da posição de um sócio. Atente-se a que, no caso do já referido AUJ do STJ nº 4/2013, a decisão foi determinada tendo por base uma livrança completa, enquanto verdadeiro negócio cambiário. Já no caso do Acordão do STJ nº 1/2025, discutiu-se a prestação de um aval numa livrança em branco – que não é ainda considerado um verdadeiro aval pela jurisprudência e, não se encontrando ainda preenchido, assume uma posição ainda embrionária, pré-cambiária e cartularmente incompleta – motivo pelo qual está sujeito a um regime jurídico distinto daquele pelo qual se rege a livrança preenchida.
Nos casos em que nos encontramos perante um vínculo indeterminado, a jurisprudência fez valer o princípio da livre denunciabilidade dos contratos no que toca a vinculações perpétuas ou que se renovem sucessivamente – daí ser admitida, mutatis mutandi, pelo Acórdão o direito de desvinculação unilateral de um ex-sócio quanto a aval prestado em livrança em branco.
Ou seja,
1. Casos de Vínculo Determinado: Nos casos em que o avalista conhece, ab initio, o montante máximo da obrigação e o prazo definido, como ocorre em mútuos bancários tradicionais, não se admite a denúncia.
2. Casos de Vínculo Indeterminado: Quando o aval é prestado em livrança em branco e a obrigação subjacente não possui prazo definido, é possível a denúncia até ao preenchimento do título. Nesses casos, a desvinculação é justificada pela ausência de prazo e não, apenas, pela mera cessação da posição de sócio na sociedade.
Dando um exemplo prático da consequência desta jurisprudência: um avalista que deixe de ser sócio de uma sociedade poderá denunciar o aval por si anteriormente dado num financiamento de abertura de crédito em conta-corrente, uma vez que o montante que poderá vir a ser cobrado ao avalista é indeterminado e depende da utilização que a sociedade faça do crédito. Mas já não será admissível à luz desta jurisprudência a possibilidade de denúncia de um aval prestado em livrança dada como garantia num normal mútuo bancário, em que está previamente determinada a dívida que foi garantida e o prazo de amortização de capital (e pagamento de juros remuneratórios) também se encontra definido desde o início.
Diga-se também que será requisito necessário para este direito de denúncia, tal como interpretamos o texto deste Acórdão que, à data da desvinculação pelo ex-sócio do aval prestado, não exista saldo em dívida no âmbito do contrato subjacente.
Em suma, o Supremo Tribunal de Justiça veio determinar que, exercida a faculdade de denúncia e produzidos os seus efeitos, não havendo saldo em dívida à data da desvinculação e tratando-se de aval prestado em livrança em branco, não é razoável que a ex-sócios avalistas de uma sociedade se continue a poder exigir que garantam, com o seu património, obrigações financeiras que não acompanham e das quais não retiram benefícios, anos depois de terem cedido a sua participação social.