Janeiro 25, 2024

Litígio contratual entre o FC Barcelona e o FC Zenit relativo ao jogador Malcom Oliveira

Diogo Soares Loureiro comenta a decisão da FIFA sobre o acordo de venda do jogador Malcom Oliveira para o FC Zenit de São Petersburgo.

Em agosto de 2019, o FC Barcelona acordou a venda do jogador Malcom Oliveira para o FC Zenit de São Petersburgo, por sonantes 40 milhões de euros. Do contrato de transferência constava a seguinte cláusula:

Ou seja, o FC Zenit teria de pagar ao FC Barcelona a quantia de 490.000 euros sempre que o clube Russo participasse ou garantisse a possibilidade de participar na fase de grupos da Liga dos Campeões da UEFA, através do mérito desportivo, desde que o jogador participasse em pelo menos 50% dos jogos da Liga Russa que permitiriam, através da classificação final alcançada nesse ano, participar, na época seguinte, na Liga dos Campeões.

Não tendo conseguido convencer o FC Zenit a realizar o pagamento voluntário deste montante, o clube catalão apresentou uma queixa na FIFA.

O jogador disputou mais de 25 jogos oficiais com o FC Zenit, ficando claro que a sua utilização ultrapassou os 50% de jogos realizados pelo clube Russo. A questão de fundo discutida neste caso, é que como é sabido, em consequência do conflito com a Ucrânia, a UEFA suspendeu as equipas russas de poderem participar nas competições europeias e o Barcelona requereu o pagamento do montante acordado ao FC Zenit após a conquista do título nacional Russo na época 22/23.

Ora, se para o FC Barcelona seria claro que todos os requisitos acordados para o pagamento da quantia de 490.000 euros se encontravam preenchidos, por seu lado, o FC Zenit defendeu que as premissas que estariam na base deste pagamento não se verificaram a partir do momento em que o clube se vê privado da possibilidade de participar nas competições da UEFA.

O tema central da discussão prendeu-se sobre se o aludido bónus seria devido apenas no cenário de participação do FC Zenit na Liga dos Campeões, ou se a aquisição do direito de participação seria, por si só, suficiente para legitimar o pagamento.

A FIFA, na sua decisão final, deu razão ao clube Russo e considerou que na interpretação de um contrato ou de uma cláusula, o órgão jurisdicional deve ter em conta o seu conteúdo literal, atribuindo às palavras o seu significado natural e corrente, aliado a uma interpretação bem alicerçada pelos princípios da boa fé e da verdadeira intenção das partes.

O Tribunal da FIFA considerou que a cláusula do acordo foi redigida de forma inequívoca, na medida em que a sua interpretação seria clara e sem margem para qualquer conclusão alternativa, no sentido de que o pagamento do bónus apenas ocorre com a participação efetiva do FC Zenit na Liga dos Campeões. Argumentou igualmente que, mesmo que se pudesse considerar a cláusula como ambígua, uma vez que o FC Zenit tinha sido impedido de participar na competição visada, não faria sentido partilhar lucros que nunca foram por si obtidos.

Analisando os argumentos apresentados e a decisão final lançada pelo FIFA, concordamos na parte em que se menciona que não faz sentido partilhar lucros que não foram alcançados, mas temos dúvidas na parte em que se considera a cláusula como absolutamente clara e sem margem para dúvidas. O clausulado escolhido abre, na nossa opinião, margem para diferentes interpretações. Se do sentido literal da cláusula parecem preenchidos todos os requisitos para o vencimento do bónus, também não é menos verdade que no momento da sua composição, nenhuma das partes colocou em equação a possibilidade de algum dos clubes envolvidos ficar administrativamente proibido de participar na Liga dos Campeões após alcançar essa contingência através do mérito desportivo.

Fica mais um exemplo da essencialidade de um estável acompanhamento jurídico na redação dos contratos desportivos.

PRA