António Pedro Albuquerque
Abril 13, 2023
O regime dos Residentes não Habituais (RNH) Habitual rima com desigual?
A liberdade de circulação e de residência de pessoas na União Europeia constitui uma das pedras angulares do funcionamento da atual política da UE, estabelecida pelo Tratado de Maastricht, em 1992. Com este pano de fundo, e motivado pela crise económica de 2008 que afetou o país, surge o Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e com ele a criação do regime dos Residentes Não Habituais, com o intuito de dar consagração jurídica a um novo espírito de competitividade da economia portuguesa.
No que ao tema diz respeito, e à semelhança do que outros países da UE fizeram (nomeadamente Espanha e França), a intenção foi atrair um dinamismo económico, através de pessoas singulares com o exercício de atividade de elevado valor acrescentado e com perfil de High Net WorthIndividuals, e potenciar a economia, beneficiando de regimes de tributação mais favorável dos seus rendimentos.
Cumpre assinalar, de forma positiva, a sua vigência – trata-se de um regime com mais de uma década e, nesse sentido, tem fugido à tendência de complexidade e instabilidade legislativa fiscal, contrariando, assim, a frágil segurança jurídica de regimes jurídico-tributários com prazos de duração coincidentes aos mandatos partidários.
No entanto, e volvidos estes anos, não se pode deixar de olhar para a temática potenciadora da desigualdade de tributação, através da sua colisão com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Tudo começa com as atividades exercidas pelos residentes em Portugal – um residente “habitual” que exerça uma das atividades elencadas nas listas, abordadas infra, não pode usufruir deste regime de tributação mais favorável, enquanto um residente não habitual, pode. Isto é, por exemplo, um residente habitual que exerça alguma atividade que gere rendimentos de categoria A (trabalho dependente), pode, em última instância e dependendo do montante dos rendimentos auferidos, ser tributado a uma taxa de 48%, enquanto um residente não habitual, exercendo a mesma atividade e auferindo rendimentos na mesma ordem de valores, é tributado a uma taxa de 20%. Não fosse Portugal um país com tradição de bem receber, e estaríamos a discutir a sua legalidade com os princípios constitucionais.
Relativamente às atividades de elevado valor acrescentado, estas começaram por ser delimitadas pela Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, através de uma lista taxativa, contendo códigos de atividade baseados numa correspondência quase direta nos Códigos de Atividade Económica (CAE). Com a entrada em vigor da Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, houve, não só, uma alteração desta lista de atividades, através de uma diminuição quantitativa, bem como, uma alteração qualitativa – isto porque se abandonou o anterior critério de qualificação das atividades do CAE, para se adotar um modelo assente numa correspondência direta nos códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP). O que se pretendeu com o estreitar de âmbito de aplicação, foi uma tentativa de dissipar dúvidas interpretativas de enquadramento nas atividades, bem como assegurar uma melhor precisão na comparabilidade estatística a nível europeu e internacional.
Assim, um dos exemplos da restritividade criada pelo regime aplicável a partir de 2020, foi a retirada do código 802 com a descrição “quadros superiores de empresas”, decompondo-se o mesmo em vários, como, por exemplo, o 112 “diretor-geral e gestor executivo”, ou o 14 “diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços”.
Deste modo, um residente que pretenda beneficiar, na presente data, do regime dos RNH, e que seja quadro superior de uma empresa, mas que não exerça cargo de direção, fica fora do âmbito de aplicação. Fica a dúvida se o próprio regime se tornou desigual na sua natureza e âmbito no decurso do tempo.
Por último, um dos requisitos de aplicação deste regime é não ser residente em Portugal nos 5 anos anteriores ao da consideração de residente. O que significa que se um ex-residente em Portugal, que está fora do país há 10 anos, mas que se tenha “esquecido” de alterar a sua residência até 3 anos antes da tentativa de aplicação ao RNH, terá de se sujeitar a um processo burocrático, longo e moroso de prova junto da AT.
Fica a questão, desigual rima com habitual?