PRA

Joana Aguiar Rodrigues

Associada Sénior | Penal e Contraordenacional
PRA

Marina Bessa Sousa

Associada | Contencioso e Arbitragem

Julho 10, 2025

A “Lei da Violência Obstétrica” e Reações: Segurança jurídica ou ataque de classes? - Parte II

Joana Aguiar Rodrigues e Marina Bessa Sousa explicam a "Lei da Violência Obstétrica". Em que consiste, a que obriga, as penalizações e a criação da Comissão Multidisciplinar para os Direitos na Gravidez e no Parto.

No início do mês de abril, entrou em vigou a Lei n.º 33/2025, de 31 de março, que se destacou por estabelecer, pela primeira vez no ordenamento jurídico português, a definição do conceito da violência obstétrica.

Desde a publicação do sobredito diploma, várias foram as reações por parte de profissionais de saúde, associações e ordens profissionais. Em particular, a Ordem dos Médicos declarou que esta Lei “é tecnicamente mal concebida e não é baseada em evidência científica”, criticando a falta de envolvimento de instituições científicas (como a própria Ordem) na elaboração da mesma. Para além disso, a Ordem dos Médicos afirmou que o conceito de violência obstétrica é inadequado para a realidade portuguesa e “estigmatiza o trabalho médico, desrespeita a sua autonomia técnica e incentiva uma prática defensiva que poderá comprometer a tomada de decisões clínicas em benefício da saúde da mulher e da criança”.

No mesmo sentido se manifestou a Ordem dos Enfermeiros, alegando que, não obstante reconhecer “o valor simbólico e político” do diploma, era necessária a colaboração de “quem está no terreno”, destacando assim a ausência de critérios técnicos, o que pode “gerar insegurança, distanciamento e práticas defensivas”. Neste âmbito, as Ordens aliaram-se na promoção de uma petição pública, com vista à revogação do sobredito diploma.

Por sua vez, a Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras (“APEO”) manifestou-se no sentido oposto, concordando com a Lei n.º 33/2025, considerando que “marca um passo histórico na promoção de cuidados de saúde materna e obstétrica mais humanizados, dignos e seguros em Portugal”. A APEO mais asseverou que este diploma não tem o intuito de ser “uma ameaça para os profissionais de saúde”, sendo uma “salvaguarda pelo respeito da autonomia das mulheres”.

Na senda desta controvérsia, ainda no decorrer do mês de abril, o Jornal Sic Notícias veio dar conta de que “morrem mais de 260 mil mulheres todos os anos com problemas na gravidez e no parto”, de acordo com dados confirmados e divulgados pela Organização Mundial da Saúde.

Concatenada a informação até aqui exposta, arriscamos dizer que a consagração de uma definição legal do conceito de “violência obstétrica” poderá contribuir para uma maior segurança jurídica, nomeada e principalmente para os próprios estabelecimentos de saúde e para os profissionais de saúde. Cenário oposto, como o verificado até aqui – o de um vazio legal – comporta sempre a exigência de uma apreciação casuística (com a subjetividade que lhe estaria adjacente) sobre quais os atos e/ou procedimentos que integrariam uma situação de violência obstétrica, colocando sempre o profissional de saúde (e/ou o estabelecimento) numa situação de incerteza jurídica.

De outra ponta, não se descura a importância de um ato legislativo desta natureza e com este grau de impacto no campo da saúde conter as contribuições dos seus profissionais, seja através das respetivas Ordens Profissionais, ou de associações e sociedades que atuam diretamente naquele campo.

Será, outrossim, importante ter em linha de conta as recomendações da Organização Mundial da Saúde, mormente quanto aos procedimentos desaconselhados, em face de alguns estudos e relatos que apontam, mesmo no caso de Portugal, para uma elevada percentagem de realização desses procedimentos (como é o caso da episiotomia). Importa, pois, atentar nos serviços médicos que são prestados neste âmbito e, porventura, reavaliar os meios e métodos instituídos, com a consciência de que o principal intuito deste diploma é salvaguardar a liberdade pessoal, autonomia e autodeterminação da mulher.

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