Agosto 14, 2025

Anteprojeto de Reforma da Legislação Laboral (2025)

No âmbito do Acordo Tripartido para a Valorização Salarial e Crescimento Económico 2025-2028, o Governo apresentou um anteprojeto de reforma da legislação laboral. Esta proposta visa modernizar o Código do Trabalho (doravante, CT) face aos desafios da digitalização, promover a contratação coletiva, combater a precariedade e reforçar os direitos dos trabalhadores, sem descurar a promoção da criação de riqueza, o aumento do rendimento dos trabalhadores, o crescimento da produtividade e da competitividade dos empregadores.

Ora, sendo certo que o anteprojeto ainda carece de discussão na concertação social e posteriormente de ser votado na Assembleia da República, apresentamos os destaques das alterações propostas:

 

Trabalhadores independentes economicamente dependentes

  • Clarifica-se o conceito de “trabalhador independente economicamente dependente” para efeitos do Código do Trabalho: quem aufira ≥ 80% do rendimento anual de um só beneficiário;
  • Acrescenta-se a obrigação de o prestador de trabalho comunicar à Segurança Social essa mesma qualidade.

 

Plataformas digitais

  • Define-se plataforma digital como entidade que organiza trabalho prestado por terceiros de forma eletrónica e automatizada;
  • Acrescentam-se indícios específicos de relação laboral neste contexto;
  • Impõe-se que esta prestação seja regular e em situação de dependência económica para que se presuma contrato de trabalho.

 

Teletrabalho

  • Reforça-se a compensação obrigatória de todas as despesas comprovadamente suportadas pelo trabalhador, estabelecendo-se que o IRCT e o acordo de teletrabalho deverão prever o valor devido pelas respetivas despesas;
  • Adiciona-se a possibilidade de alteração temporária do local de trabalho por iniciativa do trabalhador desde que com pré-aviso de 5 dias e sem oposição do empregador nesse período;
  • Deveres especiais do empregador incluem informação prévia sobre alterações tecnológicas;
  • Elimina-se a obrigação de realização de exames de saúde antes do início da prestação de atividade em regime de teletrabalho, bem como dos exames anuais quando o trabalho é exercido neste regime.

 

Parentalidade e licenças

  • Introduz a obrigatoriedade do gozo de 120 dias de licença parental inicial, alargando- a para até 180 dias (120 obrigatórios + 30 facultativos + 30 adicionais se partilhada em partes iguais);
  • Em partos antes das 33 semanas ou com internamento, a licença é prolongada pelo período do internamento;
  • O pai mantém os 28 dias obrigatórios, mas agora 14 dias têm de ser consecutivos e imediatos ao nascimento;
  • Limitação da dispensa para amamentação, que passa a ter como limite os 2 anos da criança e o direito à dispensa para aleitação até 1 ano passa a ser possível ser exercido apenas por qualquer um dos progenitores, eliminando-se a possibilidade de ser exercida por ambos;
  • Clarifica-se que o horário flexível depende de apresentação de proposta de horário pelo trabalhador, que é depois definido pelo empregador, sem prejuízo do dever de o trabalhador ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados.
  • Revogação do recente artigo que previa a falta por luto gestacional, sendo, em compensação, aditado como fundamento para falta para assistência a membro do agregado familiar a “interrupção da gravidez (falta justificada com perda de retribuição).

 

Contratos a termo

  • Aumento do período de duração dos contratos a termo para 3 anos (termo certo) e 5 anos (termo incerto);
  • Alarga para 1 ano o prazo mínimo regra da celebração do contrato de trabalho a termo certo
  • Mantém a possibilidade de 3 renovações, mas sem a condicionante de as renovações não poderem exceder o período inicial de duração do contrato;
  • Alarga a possibilidade de contratação a termo em caso de lançamento de nova atividade ou estabelecimento a todas as empresas, deixando de condicionar às empresas que têm até 250 trabalhadores;
  • Alarga igualmente a possibilidade de contratação a termo com fundamento um trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou que esteja em situação de desemprego de longa ou de muito longa duração;
  • Admite a contratação a termo de trabalhador reformado por velhice ou invalidez, determinando que o contrato fica sujeito ao regime de qualquer trabalhador que se reforme durante a vigência da relação laboral;
  • Liberta a possibilidade de contratação em regime de “contrato de muito curta duração” a qualquer ramo de atividade, desde que exista acréscimo excecional de atividade e não se ultrapasse 35 dias por ano.

 

Banco de horas

  • Reestabelece o banco de horas individual, por mero acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, com limite de 50h/semana e 150h/ano;
  • Pagamento em dinheiro das horas prestadas a mais, se ao final de 4 meses existir saldo de horas a favor do trabalhador;
  • O banco de horas pode aplicar-se a toda a equipa se 75% aceitarem e deixa de haver referendo para a sua implementação.

 

Transmissão de empresa ou estabelecimento

  • Reforça a obrigação de informação e consulta aos trabalhadores;
  • Revoga a aplicação do regime ao setor público;
  • Simplifica o procedimento em caso de transmissão indireta, i.e., quando não há um negócio celebrado entre transmitente e transmissário;
  • Estabelece um renovado direito de oposição dos trabalhadores, adaptando-o inclusive às situações em que a transmissão é indireta.

 

Contratação coletiva

  • A denúncia só pode ser feita 4 anos após a entrada em vigor da convenção;
  • Sobrevigência limitada a 12 meses, prorrogável por mais 12. Após esse prazo, a convenção caduca se não houver substituição;
  • Clarificação da norma sobre a vigência da Portaria de Extensão, que deixa de ter uma duração autónoma e passa a ficar condicionada à vigência da respetiva Convenção Coletiva, determinando a caducidade desta a caducidade da primeira.
  • Possibilidade de oposição dos trabalhadores sindicalizados à extensão da aplicação de Convenção Coletiva de Trabalho nos termos previstos para o procedimento para a emissão de portarias de extensão.
  • O Estado poderá privilegiar empresas com contratação coletiva ativa no acesso a apoios públicos, fundos ou concursos;
  • Introdução do conceito da “Aplicação ao nível empresarial” de convenção coletiva aplicável por força do princípio da dupla filiação que passa a prever a possibilidade de o empregador, caso a convença coletiva abranja mais de metade dos seus trabalhadores, determinar a sua aplicação aos demais trabalhadores, salvo oposição expressa destes (tenho sido revogado o direito de escolha pelo trabalhador da Convenção Coletiva a aplicar (artigo 497.º do Código do Trabalho).
  • Revoga-se a norma que definia a aplicabilidade de IRCT a prestadores de atividade em regime de outsourcing.

 

Outras alterações relevantes

  • Contrato com estudantes em férias escolares: pode ser denunciado a todo o tempo com 15 dias de aviso prévio;
  • O empregador deve disponibilizar regulamentos internos, mapas de férias e horários na intranet;
  • Clarifica-se o regime de prescrição de créditos laborais do trabalhador, exigindo-se declaração escrita reconhecida notarialmente para renúncia válida em vez da anteriormente prevista necessidade de transação judicial para validamente se verificar uma remissão abdicativa;
  • Revoga-se a norma que proibia expressamente a terceirização de serviços (revogação do art. 338.º-A);
  • Revogam-se as disposições a propósito do período experimental, que faziam depender uma redução de atividade prestada noutra entidade empregadora, bem como a norma que permitia um alargamento do período experimental para 180 dias no caso de jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração;
  • Estabelece-se que o número de horas de formação profissional a ministrar pelas entidades empregadoras, no caso das microempresas, é reduzido para 20h;
  • Faz-se depender a celebração de pacto de não concorrência de a atividade ser passível de causar prejuízo sério e não apenas prejuízo à entidade empregadora;
  • Clarificam-se os casos em que é possível recorrer ao contrato em regime de comissão de serviço e condiciona-se o direito a indemnização por resolução pelo trabalhador, após comunicação pelo empregador da cessação da comissão de serviço “interna” , aos casos em que esta tenha durado pelo menos 6 anos;
  • Extensão da aplicação do regime da isenção de horário de trabalho aos cargos de alta complexidade técnica.
  • Eliminação da necessidade de se obter o visto da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, em caso de trabalhador filiado, do respetivo sindicato na relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar durante o ano civil anterior, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 227.º do CT;
  • Introduz-se a possibilidade de o trabalhador faltar 2 dias justificadamente (ainda que com perda de retribuição) antes ou depois do início de um período de férias;
  • Maior concretização dos critérios a utilizar na definição da retribuição mínima mensal garantida e na sua redução pelos empregadores, nos termos definidos na lei, por forma a aumentar a sindicabilidade e apreciação judicial dos mesmos
  • Introduz a possibilidade de pagamento de subsídio de férias e Natal em duodécimos, por vontade expressa do trabalhador;
  • No procedimento disciplinar de despedimento por justa causa em micro, pequena ou média empresa, caso o trabalhador não seja membro de comissão de trabalhadores ou representante sindical, deixa de ser obrigatório realizar-se uma fase de instrução;
  • É revogada a presunção da aceitação pelo trabalhador do despedimento quando este recebe a totalidade da compensação do artigo 366.º, passando o trabalhador a estar obrigado apenas a prestar caução da compensação recebida se apresentar pedido de reintegração no âmbito da ação de apreciação judicial do despedimento;
  • Revoga-se o n.º 2 do artigo 460.º do CT que prevê (i) o direito a reunião de trabalhadores no local de trabalho (durante e fora do horário de trabalho da generalidade dos trabalhadores), regulado no artigo 461.º, (ii) o direito a instalações, regulado no artigo 464.º e (iii) o direito à afixação e distribuição de informação sindical, regulado no artigo 465.º se aplicam, também, a empresas onde não existam trabalhadores filiados em associações sindicais, passando estes direitos, com exceção do direito a instalações, que é eliminado, a estarem previstos e regulados nas respetivas normas, sendo que o direito a reunião de trabalhadores no local de trabalho passa a ser possível, apenas, fora do horário de trabalho da generalidade dos trabalhadores;
  • O pedido do empregador ao tribunal de exclusão da reintegração do trabalhador, como consequência da declaração da ilicitude do despedimento, deixa de estar limitado às mico-empresas ou trabalhadores que ocupem cargos de Administração ou Direção;
  • São adicionadas outras atividades consideradas como de satisfação de necessidades sociais impreteríveis para efeitos de “serviços mínimos” no âmbito do direito à greve: serviços de cuidado a crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência; serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais; abastecimento de águas e alimentar;
  • Ainda no âmbito do direito à greve, passa a estar estabelecida a obrigatoriedade da prestação de serviços mínimos indispensáveis, incumbindo à associação sindical que declare a greve ou à comissão de greve a prestação destes serviços;
  • Previsão ex novo do pagamento pelo Estado de retribuições intercalares após 12 meses até à sentença em 1.ª instância no âmbito do processo comum laboral e no processo de impugnação do despedimento colectivo;
  • No âmbito das deduções às retribuições intercalares que o trabalhador tem direito a receber, caso o seu despedimento venha a ser declarado ilícito, passa a prever-se que são apenas deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, após 12 meses sobre a data do despedimento;
  • Para efeitos da Lei n.º 4/2019, de 10 de janeiro, passa a considerar-se trabalhador portador de deficiência, aquele que tem uma incapacidade igual ou superior a 33%;
  • É revogada a alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º do Regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (Lei n.º 98/2009) que prevê que, no caso de teletrabalho ou trabalho à distância, se considera local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho.
  • É revogado o artigo do regime geral das infrações tributárias que determinava, desde maio de 2023, que as entidades empregadoras que não comuniquem à Segurança Social a admissão de trabalhadores no prazo de seis meses são punidos com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
PRA