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Raquel Meireles

Associada Principal | Contencioso e Arbitragem

Junho 1, 2022

A Declaração de Inconstitucionalidade da “Lei dos Metadados”

O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, datado de 19 de abril de 2022, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da conjugação dos artigos 4º e 6º, e do artigo 9º, da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade na restrição da reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Mas o que são “metadados”?

Para efeitos da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, são dados relativos ao tráfego das comunicações eletrónicas e de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante e/ou utilizador.

Dito por outras palavras permitem identificar todos os dados relativos às comunicações eletrónicas, com exceção do seu teor ou conteúdo, mas que permitem obter informações de localização, de identificação da fonte e destino da comunicação, data, hora, duração da comunicação, tipo de comunicação, e o equipamento utilizado.

O Processo e o Acórdão

A Lei nº 32/2008, de 17 de julho transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2006/24/CE, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já tinha declarado a invalidade da referida Diretiva no acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland Ltd e outros, por “violação do princípio da proporcionalidade pela restrição que a Diretiva opera dos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e à proteção de dados pessoais, consagrados nos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.

Em Portugal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), proferiu duas deliberações em 2017, de acordo com a jurisprudência do TJUE, uma[1] no sentido da revisão da mencionada Lei definindo “critérios objetivos de retenção dos dados que permitam visar um púbicos cujos dados sejam suscetíveis de revelar uma relação, pelo menos, indireta, com atos de criminalidade grave, de contribuir para a luta contra a criminalidade grave ou de prevenir um risco grave para a segurança pública” e outra[2] a “desaplicar aquela Lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação”.

E, no mesmo sentido, se pronunciou a Exma. Senhora Provedora de Justiça, em janeiro de 2019, ao recomendar “conformar a Lei com as exigências decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e sanar o vazio de fiscalização presentemente existente em Portugal (…)”.

Na sequência do que, a Provedora de Justiça, deu início ao processo nº 828/2019 no âmbito do qual foi proferido o Acórdão aqui em análise.

É entendimento do Tribunal Constitucional e do TJUE de que é proibida a conservação geral e indiscriminada de dados de tráfego e de localização dos assinantes e utilizadores registados em relação à totalidade dos meios de comunicação, para fins específicos de investigação, deteção e repressão de crimes, independentemente da sua natureza.

Por outro lado, a inexistência da notificação aos visados de que os seus dados foram acedidos pelos órgãos competentes de investigação criminal impede que estes possam exercer um controlo jurisdicional da legalidade daquela transmissão, o que representa a violação do direito ao acesso à via judiciária efetiva.

Então os órgãos de investigação criminal não poderão ter acesso aos “Metadados”?

Não, nos termos dos artigos 4º, 6º, e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho.

Contudo, há dados (de tráfego e de localização) que as próprias redes e serviços de comunicações eletrónicas armazenam designadamente, nos termos da Lei nº 41/2004, de 18 de agosto e que há quem defenda que poderão ser utilizados na investigação criminal.

A solução, contudo, passará pela alteração da Lei.

 


[1] Deliberação nº 641/2017, de 09 de maio de 2017

[2] Deliberação nº 1008/2017, de 18 de julho de 2017

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