Bruno Sousa Gavaia

Associado Coordenador | Imobiliário PRA Porto
PRA

Filipa Arnaut Ramos de Carvalho

Associada | Imobiliário

Junho 30, 2022

A Renovação Automática do Contrato de Arrendamento

Problemática persistente

Perante um leque de normas protecionistas e a favor do Arrendatário, sugerem que o legislador pouco atento e preocupado estará com a posição ocupada pelo Locador, vulgo Senhorio, é habitual depararmo-nos com normas imprecisas e passíveis de interpretações extensivas díspares. Assim ocorre, por exemplo, no âmbito da Renovação Automática, consonante com os Contratos de Arrendamento com Prazo Certo.

Da prerrogativa constante no artigo 1096.º do Código Civil, retiramos que o legislador entende que há lugar à renovação automática do contrato, salvo se da vontade das partes resultar diferente.

Com a pouco cabal semântica à dita norma associada, abrimos espaço para interpretações e doutrinas divergentes;  teríamos um espectro que, entendia que, no momento em que se lê “salvo disposição em contrário”, pretendeu o legislador fazer alusão a uma vontade de partes que, na sua autonomia, estipulariam um prazo superior ao de três anos, sendo certo que, o prazo mínimo de renovação do contrato seria de três anos, nos casos em que o prazo certo (de duração inicial do contrato) fosse inferior a três anos; uma vez que a manifesta intenção do legislador português em matéria de arrendamento, desde há longos anos, se pautou pelo benefício do Locatário, mesmo em situações em que tal poderia traduzir o detrimento dos melhores (e legítimos) interesses do Locador.

Do outro lado do raciocínio (igualmente lógico e percetível), deparamo-nos com a crença na ilação de que o espargido na norma aqui invocada de nada mais se trata do que de uma mera indicação; ou seja, que, na falta de clausulado subscrito pelos Outorgantes, em matéria de estipulação de normas atinentes à definição de prazo e tempos para Renovação ou Oposição à mesma, podem as partes abrir mão da renovação do contrato de arrendamento, assim como estipular o seus termos (em caso de decisão pela renovação), com base na sua livre vontade e em conformidade achada entre ambas.

Num sentido pragmático, exemplificamos:

  • Da análise aqui apresentada em primeiro lugar e da sua aplicação, resultaria um contrato de arrendamento com a duração de um ano, a partir do qual e ainda que perante a determinação, pelas partes, de uma renovação por 2 anos; atingindo o contrato o seu cômputo, o mesmo se renovaria por 3 anos, a contar a partir da data final do contrato aprazado primordialmente; ficando assim, ambas as partes subscritoras do escrito, obrigadas a permanecer acorrentadas ao susodito vínculo contratual, pelo decurso mínimo de 3 anos adicionais, findo o período inicial; e assim sucessivamente nos tempos sequentes Isto é, considera-se que o legislador determina um prazo mínimo para as renovações; limitando a liberdade das partes, a qual apenas releva para lá dos indicados 3 anos, impossibilitando-se que aquelas determinem um período de renovação inferior; não obstante, deterem a prerrogativa de impedir a renovação automática.
  • Por sua vez e, contrariamente ao demonstrado supra, em concordância com a visão oposta à agora encerrada, teríamos no mesmo contrato de arrendamento com prazo certo de 1 ano que, atingido o seu final, perante a manifestação de vontade das partes, poderiam estas, ter estabelecido o período aposto para renovação do contrato, independentemente da duração inicial do escrito, podendo, ainda que a duração inicial da locação fosse de 5, 6 ou 7 anos, a renovação cingir-se a 1, 2 ou 3 anos; não havendo lugar a um prazo mínimo para a renovação.

 

Entenda-se que estas posições divergem de forma amplificada e que entendimentos doutrinais em ambos os sentidos ocupam os seus devidos lugares, de forma justificada e alicerçada em argumentos válidos. Assim e, na ausência de lei reguladora e explícita sobre a temática que nos apraz descortinar, vemo-nos, forçosamente, impelidos a dispor de doutrina e teoria versada sobre a quezília.

Como apoio à incerteza sentida por via da imprecisão da letra da lei, surge, porquanto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17 de Março de 2022, que, valendo como tal (e não como lei, que não o é, nem pretende sê-lo), vem suportar o entendimento de que a norma retirada da leitura do artigo 1096.º do Código Civil se trata de uma norma supletiva, não se podendo, por conseguinte, apelidá-la como taxativa ou imperativa e, levando-nos a crer que a autonomia contratual dos subscritores do contrato de arrendamento com prazo certo prevalece perante a letra sugestiva da lei, nomeadamente face à clássica interpretação protecionista da parte que o legislador tem vindo, no decurso dos últimos anos, vindo a considerar a mais desamparada – o Locatário.

Neste sentido e, atentos a que não se trata (ainda, de todo) de ponto assente e esclarecido pelo próprio legislador, entende-se (até publicação em sentido contrário) que, num cenário de corda bamba interpretativa; baseados num histórico legislativo na matéria, quanto ao período de renovação do contrato de arrendamento com prazo certo, que as partes têm uma limitada liberdade no que toca à definição dos  termos em que a figura se desenrola, nomeadamente a estipular prazos de renovação inferiores a 3 anos; sem prejuízo, itera-se, da total liberdade que lhes assiste, no que toca à  possibilidade de afastar a renovação do contrato.

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