Rute Oliveira Serôdio
Jesualda Tavares de Pina
Novembro 27, 2025
Alerta Jurídico - Nova tutela penal dos imóveis objeto de ocupação ilegal
No passado dia 25 de novembro entrou em vigor o diploma que aprova a nova tutela penal dos imóveis objeto de ocupação ilegal, que introduziu alterações muito relevantes ao Código Penal (artigo 215.º) e ao Código de Processo Penal (artigos 200.º e 204.º).
A revisão legislativa incide sobre o crime de usurpação de coisa imóvel, que passa a ter uma tutela penal reforçada. De entre as principais alterações, destacamos:
- punibilidade da tentativa: a tentativa passa expressamente a ser punível com pena de prisão de até 2 anos ou multa até 240 dias, sempre que o agente invada ou ocupe coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direitos de propriedade, posse, uso ou servidão não reconhecidos por lei, sentença ou ato administrativo; ou desvie ou represe águas mediante violência ou ameaça grave, sem direito, com o propósito de obter benefício ilegítimo para si ou para outrem.
- duas circunstâncias qualificativas da infração penal – i) o uso de violência ou ameaça grave e a incidência sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente, indo a pena de prisão até três anos ou pena de multa, reconhecendo a particular censurabilidade das condutas que atentam simultaneamente contra a segurança pessoal e a inviolabilidade do domicílio, valores com dignidade constitucional e penal reforçada. ii) atuação profissional ou com intenção lucrativa, a moldura penal é agravada para prisão de um a quatro anos.
Estas agravações constituem uma resposta penal proporcional e diferenciada, destinada a dissuadir práticas sistemáticas de apropriação ou exploração indevida de imóveis, frequentemente associadas a redes de ocupação organizada ou a atividades de carácter especulativo e reforçam o princípio da proteção efetiva da propriedade privada e da posse legítima, harmonizando a função repressiva do direito penal com a necessidade de salvaguarda da ordem pública e da paz social.
O diploma introduz igualmente uma nova medida de coação no artigo 200.º do CPP, permitindo ao juiz impor ao arguido a obrigação de restituição imediata do imóvel ao respetivo titular, desde que: i) existam fortes indícios de invasão ou ocupação de imóvel alheio; e, ii) esteja fortemente indiciada a titularidade do imóvel por parte do queixoso.
A ratio legis prende-se com a necessidade de conferir eficácia imediata à proteção possessória, evitando a perpetuação de situações de ilicitude enquanto o processo penal decorre, frequentemente por períodos prolongados.
Quanto aos imóveis do parque habitacional público, utilizados para fins habitacionais, nestes casos o órgão público competente para apresentar queixa deve previamente avaliar as condições socioeconómicas dos ocupantes e, quando aplicável, acionar os mecanismos de resposta social ou habitacional previstos na legislação e regulamentação em vigor.
A lei permite ainda que o mesmo órgão prescinda da apresentação de queixa caso ocorra desocupação voluntária do imóvel, refletindo um compromisso de equilíbrio entre a tutela penal da propriedade pública e a proteção do direito à habitação, ambos consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Em síntese, a aprovação da nova tutela penal dos imóveis objeto de ocupação ilegal representa uma viragem relevante na política criminal portuguesa no domínio da proteção da propriedade e da posse legítima, de clara reação a um fenómeno social com crescente expressão, dotando o sistema de mecanismos ágeis de reposição imediata da legalidade possessória e patrimonial, sem descurar os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade.