PRA

Clélia Brás

Sócia | Coordenadora Imobiliário

Maio 16, 2022

Alojamento Local nos prédios: é o fim?

Quais são as consequências da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que decretou o fim do Alojamento Local em prédios de habitação para os seus proprietários?

Temos que ter em atenção que se trata de um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, imperando ainda a legislação em vigor, ou seja, o Regime Jurídico Alojamento Local e os respetivos trâmites administrativos. Assim, obviamente que este Acórdão veio determinar que a afetação de uma fração para Alojamento Local (AL) não pode deter no Título Constitutivo da Propriedade Horizontal a afetação para habitação. Contudo, não podemos esquecer que tal decisão deteve por base um caso concreto julgado nos Tribunais Cíveis e não nos Tribunais Administrativos, ou seja, uma coisa é o uso que se prevê no respetivo Título Constitutivo outra é o tipo de utilização que consta da respetiva licença de utilização emitida pelas Câmaras Municipais.

A decisão do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência aplica-se caso estejamos perante um prédio que não esteja constituído em Propriedade Horizontal?

A decisão em causa visa apenas frações em prédios constituídos em Propriedade Horizontal e não a prédios em que esta não tenha sido (ainda) constituída.

A decisão do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência aplica-se apenas a Alojamentos Locais ainda não registados ou também aos que já se encontram em curso?

A presente decisão aplica-se igualmente aos Alojamentos Locais já autorizados anteriormente. No entanto, na minha opinião, não é impeditiva do seu exercício, nem do registo de novos Alojamentos Locais, nem pode a respetiva Câmara Municipal cancelar registos com base neste Acórdão, sob pena de Recurso para os Tribunais competentes.

O que fazer para regularizar as situações de incumprimento?

Primeiramente, cumpre esclarecer, que apenas se poderá considerar que o proprietário que se encontra a explorar a sua habitação para Alojamento Local se possa encontrar em incumprimento, a partir do momento em que, e, em sede de Tribunal, seja proferida decisão no sentido de cessar essa mesma exploração. Isto porque, não se trata de uma decisão administrativa, ou seja, não pode a Câmara Municipal respetiva impedir ou proibir o registo de Alojamento Local com fundamento na uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, sendo necessária a proposição de uma ação judicial por parte de qualquer condómino para que tal se verifique, bastando para os devidos efeitos que se demonstre que a fração abrangida pelo AL se destina a habitação.

Será ou não expectável uma alteração legislativa?

Neste âmbito, deverá imperar uma reflexão cuidada por parte do legislador sobre uma possível alteração ao Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, que ao ser efetuada deverá culminar numa clarificação desta matéria. Tal a suceder, deverá também passar por uma alteração ao procedimento administrativo vigente, no que respeita à instrução do pedido de registo de AL, visando-se também mitigar o impacto sobre situações já constituídas mediante a previsão de normas transitórias que tutelem os interesses e direitos entretanto constituídos por parte dos atuais titulares de estabelecimentos de AL, só por esta via equacionamos como possível a tutela dos interesses legítimos de todos os intervenientes.

Ainda assim, não se pode deixar de considerar que a Lei, nos termos atualmente em vigor, já prevê mecanismos que acautelam os direitos dos proprietários das frações não afetas à exploração de Alojamento Local, nomeadamente, a possibilidade de pedirem o cancelamento daquele Alojamento Local, até ao máximo de um ano, no caso de comprovada a prática reiterada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, devendo para esses efeitos, a Assembleia de Condóminos, com maioria simples, opor-se ao exercício de Alojamento Local no prédio e comunicar à respetiva Câmara Municipal.

Com este Acórdão deixa de ser possível registar a exploração de um Alojamento Local?

Na minha opinião e, perante o aqui referido, as Câmaras Municipais não se poderão opor ao registo de novos Alojamentos Locais em prédios que se encontrem submetidos ao regime da respetiva Propriedade Horizontal, pelo simples facto de juntarem uma licença de afetação à habitação. Uma vez que, conforme referido, uma coisa é o uso que consta do respetivo título Constitutivo da Propriedade Horizontal, outra é o tipo de utilização que consta da licença ou autorização de utilização que é emitido pelas respetivas Câmaras Municipais. Reitere-se, neste ponto, o já referido quanto a esta decisão ter tido por base um caso concreto julgado junto dos Tribunais Cíveis e não Administrativos, o que desde logo obsta à produção da eficácia externa e vinculativa para os órgãos administrativos, como as Câmaras Municipais, não sendo, na minha opinião, aceitável que estas entidades recusem o registo de um novo Alojamento Local com fundamento no Acórdão em causa.

Quais são os riscos e os impactos da medida?

Iremos certamente assistir a uma crescente litigância, entre os condóminos, à qual acresce, na minha opinião, uma crescente na dinâmica da atividade de Alojamentos Locais que poderão não vir a cumprir os procedimentos legalmente exigíveis. Penso que se irão levantar muitas questões que na prática não se conseguirão implementar, para além dos custos associados, e todas estas questões ficarão sem uma resposta concreta por parte dos Tribunais, que se estão tão só a focar no conceito da afetação de habitação “doméstica” olvidando todo o impacto que dessas decisões advém. Até porque, muito do que agora se procura salvaguardar, não fica afastado, em sede de locação, dada a permissão consignada no n.º 1 b) do artigo 1093.º. Isto é, um dos aparentes motivos para o que agora se publica, que poderá considerar-se, o direito à não perturbação ou ao repouso, com consagração – inclusive – constitucional; há muito que se mitiga, com base nesta exceção à regra do artigo 1072.º do Código Civil.

Aos novos postos de trabalho que foram sendo criados na gestão deste tipo de imóveis, pelo investimento e contributo na melhoria dos prédios e apartamentos quer a nível estético, quer estrutural, é inquestionável que Portugal beneficiou, e muito, do investimento nacional e internacional no mercado de Alojamento Local, que com a “errónea” interpretação do referido acórdão poderão cada vez mais retroceder.

Com efeito, não poderemos deixar de antever um impacto negativo desta decisão em vários setores como o Imobiliário, o Turismo e a Economia do País.

Adicionalmente e, com voto vencido, um dos juízes conselheiros alertou para o risco de uma “avalanche” de processos, conforme menciona, na sua declaração de voto, com a qual concordo, uma vez que o Acórdão vem “implicar “a ilicitude de todas as explorações de alojamento local instaladas em frações autónomas de imóveis constituídos em propriedade horizontal destinadas a habitação, ainda que registadas e com título de abertura ao público, podendo qualquer condómino isoladamente exigir a cessação de tal atividade…“.

De que forma podem os proprietários que exploram AL, em virtude de uma decisão judicial, continuar com a exploração? E se após um ano, quiser voltar a habitar na fração que estava afeta ao regime de AL?

Após a decisão judicial determinar a cessação da atividade de Alojamento Local na fração com afetação de habitação, caso o proprietário queira manter essa atividade, deverá a questão ser levada à Assembleia de Condóminos, que, por unanimidade, deverá aprovar a alteração do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, de forma a que a referida fração seja afeta a serviços, bem como sujeitar a mesma a um novo processo de licenciamento. Se, por outro lado, o proprietário pretender voltar a habitar a fração, terá de recorrer ao mesmo mecanismo de aprovação em Assembleia de Condóminos, por unanimidade, da alteração do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal e, novamente, alteração da licença de utilização da fração. O que desde logo se antevê extremamente difícil implementar este género de procedimentos.

PRA