Catarina Costa Lopes
Gustavo Borges Oliveira
Junho 14, 2024
Proposta de Lei n.º 3/XVI/1.ª - Medidas para dinamização do Mercado de Capitais
Para se obter uma noção clara e concreta sobre o conceito de Organismo de Investimento Coletivo, há que atentar na definição prevista no Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril (Regime da Gestão de Ativos), pelo que concretiza o seu artigo 2.º: “Os organismos de investimento coletivo são instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores de acordo com uma política de investimento previamente estabelecida.”.
Ora, concretiza o artigo 5.º do supracitado diploma legal que os Organismos de Investimento Coletivo (OIC) adotam um dos seguintes tipos: Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (OICVM), que são organismos abertos e cujo objetivo exclusivo é o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos referidos no capítulo ii do título iv e que cumpram os limites ali previstos (desse mesmo diploma legal); ou Organismos de Investimento Alternativo (OIA), que correspondem aos organismos de investimento coletivo não previstos no tipo anteriormente descrito, incluindo os que se encontram enumerados no n.º 1 do artigo 208.º do RGA, bem como outros que se rejam por legislação nacional especial.
Já com relação ao tratamento fiscal aplicável a estes organismos, há que atentar nomeadamente, mas não exclusivamente, no disposto no artigo 22.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, na sua redação atual. Desse modo, evidencia-se que a tributação é realizada mediante a aplicação da taxa geral de IRC legalmente definida, incidente sobre o lucro tributável do OIC, sendo este correspondente ao resultado líquido do exercício, já com a dedução dos rendimentos (e gastos) de capitais, prediais e mais-valias obtidas, assim como dos rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam a seu favor.
Ademais, o OIC encontra-se ainda sujeito às taxas de tributação autónoma aplicáveis em sede de IRC, apesar de se encontrar isento de qualquer derrama estadual ou municipal, sendo que pode deduzir os prejuízos fiscais apurados aos lucros tributáveis, em conformidade com o disposto no Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual.
No que concerne ao Imposto de Selo, esclarece o Anexo II – Tabela Geral do Imposto do Selo do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99 de 11 de setembro, na sua redação atual, que para os OIC´s que invistam exclusivamente em instrumentos de mercado monetário e depósitos é devido, trimestralmente, Imposto do Selo sobre o ativo líquido global do OIC, à taxa de 0,0025%; e que os OIC’s que não invistam exclusivamente em instrumentos de mercado monetário e depósitos é devido, trimestralmente, Imposto do Selo sobre o ativo líquido global do OIC, à taxa de 0,0125%.
Por fim, com relação à tributação dos participantes detentores de unidades de participação (UP) de OIC’s, o regime fiscal aplicável assenta na designada “tributação à saída”. O disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código IRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, referente à tributação de Mais-Valias, indica que são consideradas mais-valias os ganhos obtidos que advenham do resgate de UP’s em fundos de investimento e da liquidação destes fundos, sendo por isso mesmo tributados nos termos gerais. Assim, para residentes fiscais portugueses, os rendimentos distribuídos pelo OIC e os rendimentos obtidos com o resgate de UP´s estão sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, podendo o participante optar, caso pretenda, pelo seu englobamento. Já quanto aos rendimentos obtidos com a transmissão onerosa de UP’s estão sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 28%, sobre a diferença positiva entre as mais e as menos valias do período de tributação. No caso de Pessoas Coletivas, em consonância com o disposto no Código do IRC, os rendimentos distribuídos pelo OIC encontram-se sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, tendo o imposto retido a natureza de imposto por conta.
Feito o paralelismo com o atual tratamento fiscal relativo aos Organismos de Investimento Coletivo, importa agora analisar a Proposta de Lei n.º 3/XVI/1.ª do Conselho de Ministros de 27 de maio de 2024, que visa a implementação de um conjunto de medidas, de índole fiscal, que possam produzir efeitos concretos, tanto na perspetiva da oferta como da procura de financiamento e investimento, no tecido empresarial português, sobretudo por meio de recurso a OIC’s.
A formalização da suprarreferida proposta de Lei redigida pelo Conselho de Ministros centra-se sobretudo na evidência de que o mercado de capitais deve desempenhar um papel ainda mais fundamental no financiamento da economia do que aquele que atualmente desempenha, providenciando às empresas condições mais adequadas para obtenção de capital ou financiamento para efetuar investigação, desenvolver novos produtos ou competências que aumentarem a produtividade e gerarem economias de escala, bem como expandir as suas vendas e operações nacional e internacionalmente, e, de forma sinalagmática, permitir aos investidores dispor de métodos de investimento diversificados que sejam sobretudo mais benéficos e rentáveis, dando acesso a diversas opções para remunerar e valorizar a sua poupança, que poderá ser aplicada pelas empresas no desenvolvimento da sua atividade.
A atual perspetiva demonstra que a estrutura de financiamento das empresas portuguesas encontra-se dependente de instrumentos de financiamento a curto prazo, sobretudo sob a forma de empréstimos bancários. O recurso a financiamento através do mercado de capitais, de forma a complementar o financiamento bancário mais tradicional, confere uma maior estabilidade e capacidade ao setor empresarial português para se desenvolver e aceder a novos mercados.
Ainda nesse sentido, a transição para este tipo de financiamento permite ainda que as empresas portuguesas estejam mais capacitadas para aproveitar as oportunidades e responder aos desafios associados ao processo de transformação digital e de transição climática, e por esse mesmo motivo, considera o Conselho de Ministros que é essencial implementar um conjunto de medidas, de índole fiscal, que possam produzir efeitos concretos, tanto na perspetiva da oferta como da procura de financiamento e investimento.
Assim, a presente Proposta de Lei visa a criação de incentivos fiscais à detenção de médio e longo prazo de instrumentos financeiros admitidos ou selecionados para negociação em mercados regulamentados e outros sistemas organizados de negociação, bem como de unidades de participação e ações em organismos de investimento coletivo, permitindo diversificar e dinamizar o acesso ao mercado de capitais, canalizando o investimento para o longo prazo e diversificando as fontes de financiamento das empresas. O estímulo à poupança é ainda reforçado com a criação de um regime fiscal aplicável ao Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PEPP), de acordo com a Recomendação da Comissão Europeia, de 29 de junho de 2017, sobre o tratamento fiscal dos produtos individuais de reforma, nomeadamente do PEPP.
No que respeita em concreto aos OIC’s, as alterações vertidas no Projeto de Lei incidem mormente sobre o tratamento fiscal aplicável às sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia e aos organismos de investimento alternativo de créditos, previstos, respetivamente, no Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho, que cria medidas de dinamização do mercado de capitais, com vista à diversificação das fontes de financiamento das empresas, e no Regime da Gestão de Ativos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, em linha com o regime fiscal aplicável aos fundos de capital de risco. A Proposta de Lei visa ainda criação de um regime fiscal especial aplicável aos organismos de investimento coletivo (OIC) imobiliários que invistam na habitação enquadrada no Programa de Arrendamento Acessível, visando o alargamento dos incentivos à oferta de habitação para arrendamento a preços reduzidos e, desse modo, reforçando a resposta às necessidades habitacionais das famílias.
São assim propostas alterações à redação do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na sua redação atual; do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, na sua redação atual; e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, na sua redação atual.
1) Alteração ao Código do IRS (CIRS):
▪️ parágrafo iii) e iv) do artigo 10.º do CIRS: menciona que, para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias, encontra-se agora isento de tributação o sujeito passivo que adquira Produtos Individuais de Poupança Pan-Europeu através dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar;
▪️ n.º 3 do artigo 20.º do CIRS: elimina a menção à detenção de 10% das partes de capital, dos direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou os elementos patrimoniais dessas entidades, consoante os casos, passando somente a constar a menção à detenção de 25%.
▪️ n.º 5 do artigo 43.º do CIRS e numeração do artigo: altera-se o método de definição de quantificação do valor correspondente às mais-valias.
2) Alterações ao Código do Imposto do Selo (CIS):
▪️ alínea b) do n.º 5 do artigo 1.º do CIS: passa a referenciar também no âmbito da isenção do Imposto de Selo os planos poupança-reforma ou produtos individuais de reforma pan-europeus.
3) Alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF):
▪️ n.º 11 do artigo 21.º do EBF: passa a referenciar os produtos individuais de reforma pan-europeus, que se constituam e operem nos termos da legislação nacional ou que, não estando estabelecidos em território português, sejam domiciliados noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
▪️ n.º 1 do artigo 22.º do EBF: em vez de se referir aos fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, passa a referir-se a Organismos de Investimento Coletivo que se constituem e operem de acordo com a legislação, tornando o seu âmbito de aplicação mais abrangente.
▪️ alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 22.º-A do EBF: a alínea b) passa a remeter para o conteúdo do n.º 5 do artigo 43.º do CIRS; a alínea c) para além de aludir ao resgate de unidades de participação, passa também a referir-se ao resgate de participações sociais; na alínea d) é eliminada a menção a rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário, passando somente a referir-se a rendimentos de unidades de participação.
▪️ n.ºs 1; 2; 6; 7; 9 e 10 do EBF: no n.º 1 acrescenta-se a menção aos organismos de investimento alternativo de capital de risco e de créditos; os n.ºs 2 a 9 replicam a esta nova menção do n.º 1, passando a ser aplicáveis a organismos de investimento alternativo de capital de risco e de créditos; o n.º 10 é aditado e refere que o disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, às sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia previstas no Decreto-Lei n.º 77/2017, de 30 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 56/2018, de 9 de julho, 19/2019, de 28 de janeiro, e 72/2021, de 16 de agosto.
▪️ aditado o artigo 24.º-A referente aos organismos de investimento coletivo de apoio ao arrendamento, definindo ao longo dos seus números e alíneas o método de tributação em sede de IRS ou IRC.
▪️ aditado o artigo 32.º-E que se refere à possibilidade de se deduzir à coleta, por parte dos sujeitos passivos de IRC, os gastos relativos à primeira admissão à negociação em mercado regulamentado dos valores mobiliários representativos do seu capital social, bem como os relativos à oferta de valores mobiliários ao público realizada no mesmo período de tributação ou no período de tributação anterior a essa admissão à negociação, da qual resulte uma dispersão mínima de 20% do seu capital social, desde cumpridos os requisitos definidos.