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Mário Longras

Associado Principal | Imobiliário

Outubro 23, 2023

Os aditamentos ao regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE)

Mário Longras esclarece as novidades previstas no Programa Mais Habitação relativamente aos aditamentos ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).

A Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro de 2023 – Programa Mais Habitação – foi publicada, em Diário da República, 1.ª Série. N.º 194, trazendo consigo uma panóplia de medidas legislativas tendentes a almejar garantir maior e melhor acesso à habitação.

Sem prejuízo, e para o que neste apartado nos importa, à razão de pretensas alterações urbanísticas, pese embora já se encontre publicada a Lei n.º 50/2023, de 28 de agosto (esta sim, que autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território), aquela (a Lei n.º 56/2023), prevê, nomeadamente, no seu artigo 24.º, dois aditamentos ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), a saber: a) o artigo 88.º-A; e b) o artigo 108.º-C.

Ora, no primeiro daqueles, previu o legislador a atribuição às câmaras municipais de um dever geral de fiscalização periódica das edificações quanto às respetivas condições de habitabilidade, podendo igualmente, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a fiscalização sobre as condições de utilização do imóvel. No âmbito da fiscalização, deverá ser verificado o cumprimento das normas legais relativas ao arrendamento habitacional, às condições de habitabilidade e às situações irregulares de arrendamento ou subarrendamento habitacional. Por conseguinte, em caso de identificação de situações irregulares, a câmara municipal deve intimar os proprietários para a reposição da utilização nos termos autorizados em comum acordo com o disposto nos artigos 102.º e seguintes deste regime jurídico (RJUE), ou seja, em comum acordo com as várias medidas (gradativas) de tutela da legalidade urbanística, não obstante, claro está, a possível instauração de procedimentos contraordenacionais. Assim, em nosso primário entendimento, a ratio atinente à presente norma prender-se-á com a determinação do mínimo de dignidade das condições de habitabilidade, com especial apreço, às situações de arrendamento e subarrendamento, atenta a atual procura de mercado deste tipo de solução habitacional. Aqui, em comum acordo com as atribuições e competências legalmente estabelecidas às respetivas Autarquias Locais, o legislador pretendeu fincar um maior controlo em prol daqueles que, as mais das vezes, configuram a parte mais vulnerável num contrato de locação imobiliária, ou seja, o inquilino, numa clara alusão ao princípio da tutela da condigna habitação.

Por outro lado, conforme referido, foi aditado o artigo 108.º-C, nos termos do qual se estabelece o arrendamento forçado de habitações devolutas. Este novo regime recai sobre a) as frações autónomas de uso habitacional e b) as partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente de uso habitacional, localizadas fora dos territórios do interior (talqualmente identificados no anexo à Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho) devendo, igualmente, encontrar-se classificadas como devolutas há mais de dois anos, em comum acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 159/2006.

De referir que, de modo a materializar a medida em causa, o Programa Mais Habitação prevê um novo dever de comunicação para as empresas de telecomunicações e distribuidoras de gás, eletricidade e água. Estas passam a enviar obrigatoriamente aos Municípios, até ao dia 01 de outubro de cada ano, uma lista atualizada da ausência de contratos de fornecimento ou de consumos ou de consumos baixos, por cada prédio urbano ou fração autónoma, incluindo a identificação matricial de cada prédio.

Decorridos dois anos desde a classificação, o Município competente remeterá ao proprietário do prédio devoluto:

▪ notificação do dever de executar obras de conservação. Feita a notificação e sem que as mesmas sejam realizadas, o Município pode promover a execução das obras necessárias, em caso de incumprimento; ou

▪ notificação do dever de dar uso à fração autónoma e, querendo, apresentar-lhe uma proposta de arrendamento, conquanto a renda não exceda em 30% os limites gerais de preço de renda dispostos no Programa de Arrendamento Acessível (Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio). Se o proprietário recusar a proposta ou não se pronunciar no prazo de 90 dias e mantendo-se o imóvel devoluto, o Município pode, excecional e supletivamente, proceder ao arrendamento forçado, sempre que se revele necessário para garantir a “função social da habitação”.

Não pretendendo o Município proceder ao arrendamento e caso o imóvel não careça de obras de conservação, deve este remeter a informação sobre o imóvel ao IHRU, I.P., para que este, caso assim pretenda, possa notificar o proprietário nos termos do dever de dar uso e proceder ao arrendamento forçado, nos mesmos termos que o Município.

Mais uma vez, também por esta via, a pretensão do legislador foi acelerar, e desburocratizar a disponibilização de habitação acessível, por via da figura do arrendamento. Aqui, sem prejuízo da bondade de intenção do legislador, cremos que a matéria é mais densa e de complexidade acrescida, tendo em conta a ponderação e valoração dos impositivos e valores jusconstitucionais em jogo; será, claro está, uma matéria cuja desenvoltura dogmática e jurisprudencial trará certamente discussão.

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