PRA

Noel Gomes

Sócio | Coordenador Administrativo e Contratação Pública PRA Porto
PRA

Filipa Tenreiro

Associada Principal | Administrativo e Contratação Pública

Julho 18, 2024

Seca no Algarve: as novas medidas de resposta

Noel Gomes e Filipa Tenreiro explicam o novo quadro de medidas de resposta para a situação de alerta na região do Algarve, por motivo de seca.

Na região do Algarve, a situação de seca prolongada tem vindo a agravar a situação de escassez hídrica da região, sendo certo que, desde maio de 2022, os níveis de armazenamento de água nas albufeiras situam-se abaixo dos 50%.

A falta de reposição dos recursos hídricos durante os períodos húmidos tem gerado um défice contínuo no que diz respeito à utilização de água (superficial e subterrânea) disponível, verificando-se que, à presente data, os níveis de armazenamento das águas subterrâneas mantêm-se extremamente baixos, com aproximadamente 84% das massas de água subterrânea apresentando volume armazenado abaixo do percentil 20, sendo que, dessas, cerca de 52% estão em estado muito crítico.

Em 20/02/2024, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26-A/2024, que reconheceu a situação de alerta na região do Algarve por motivo de seca e aprovou um quadro de medidas de resposta, de caráter temporário, imediatamente aplicáveis e que deveriam vigorar até ao final do corrente ano hidrológico, que termina a 30 de setembro de 2024.

Ainda assim, devido aos níveis de precipitação registados durante os meses de março e de abril de 2024, registou-se um aumento dos volumes de água armazenados nas albufeiras de referência da região, sendo que, entre 1 de janeiro e 30 de abril de 2024, se verificou um aumento do volume armazenado em mais de 84 hm3.

Esta situação possibilita, embora de forma cautelosa, diminuir o nível de redução dos volumes atribuídos para os diferentes usos e caudais ecológicos sem, no entanto, descurar que, no final do mês de dezembro de 2024, o volume útil armazenado nas albufeiras terá de ser capaz de garantir um ano de abastecimento público.

Neste contexto, no passado dia 21/06/2024, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 80/2024, que, mantendo o reconhecimento da situação de alerta na região do Algarve por motivo de seca, aprovou um novo quadro de medidas de resposta, de caráter temporário, que deverão ser imediatamente aplicadas e mantidas até ao final do mês de dezembro de 2024, revogando a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26-A/2024, de 20 de fevereiro e o Despacho n.º 4089/2024, de 15 de abril.

 

As medidas de resposta:

Foram aprovadas novas medidas de resposta em três âmbitos de atuação distintos, concretamente: (i) no âmbito do abastecimento público de água (aplicadas à generalidade da população); (ii) no âmbito do turismo; e (iii) no âmbito da agricultura.

De entre as medidas aprovadas, selecionámos algumas medidas “chave” nos âmbitos da agricultura do âmbito do abastecimento público de água, sem prejuízo de se recomendar a leitura integral do diploma legal.

Medidas específicas no âmbito da agricultura:

▪️ Publicação, pela DGADR, de valores de referência para a rega de sobrevivência para culturas permanentes na região do Algarve;

▪️ Controlo dos volumes atribuídos para 2024 nos regadios coletivos, garantindo o cumprimento dos compromissos assumidos na presente resolução;

▪️ Autorização de captações subterrâneas requeridas em articulação com a associação de regantes da área do perímetro de rega do Sotavento para rega, até ao limite máximo de 5 hm3/ano;

▪️ Autorização de captações subterrâneas, requeridas em articulação com a associação de regantes da área do perímetro de rega do Alvor para rega, até ao limite máximo de 0,5 hm3/ano;

▪️ Autorização de uma captação subterrânea coletiva no setor Poente requerida pela associação de regantes da área do perímetro de rega do Alvor para reforço do perímetro do Alvor, até ao limite máximo de 0,5 hm3/ano;

▪️ Promover, excecionalmente, nos casos de autorização de captações subterrâneas requeridas, respetivamente, em articulação com as associações de regantes das áreas dos perímetros de rega do Sotavento e do Alvor, a utilização das captações subterrâneas particulares nas áreas dos perímetros hidroagrícolas, através de proposta de novo modelo de cobrança da taxa de conservação apresentadas pelas Associações de Beneficiários e validada pela DGADR;

▪️ Determinar que as captações que se vierem a estabelecer na sequência do ponto anterior são integradas como reforço extraordinário nas reservas hídricas do Aproveitamento Hidroagrícola do Sotavento Algarvio, desde que identificadas como utilizáveis pela DGADR e pela Associação de Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento Algarvio e reconhecidas pela APA, I. P., em listagem para o efeito, devendo os Títulos de Utilização de Recursos Hídricos (TURH) das restantes captações ser revistos nos termos legalmente previstos;

▪️ Determinar que, na área beneficiada pela albufeira do Arade, não há autorização para culturas anuais com dotação de rega superior à dotação de referência da cultura dos citrinos, conforme tabela de referência para a intervenção do Uso Eficiente da Água – Algarve.

Medidas específicas no âmbito do abastecimento público de água (aplicáveis à população algarvia em geral):

▪️ Redução da pressão de água na rede de abastecimento de água pública, em condições operacionais adequadas, até aos níveis mínimos essenciais que não afetem a qualidade do serviço;

▪️ Suspensão da utilização de água da rede pública para rega de espaços verdes e jardins públicos, rega de jardins e espaços relvados sitos em propriedade privada, com ressalva das exceções necessárias para assegurar sobrevivência de árvores autóctones ou de caráter singular ou monumental;

▪️ Utilização, sempre que disponível, de água de origens alternativas, como seja água para reutilização (ApR), para a rega de espaços verdes e jardins públicos, bem como de jardins e espaços relvados sitos em propriedade privada, que somente pode ocorrer em horas de menor radiação solar, entre as 20h00 e as 8h00;

▪️ Proibição da utilização de água da rede pública e de água extraída de outras origens de água natural em fontes ornamentais, e outros elementos de uso estético de água;

▪️ Proibição da lavagem de pavimentos, logradouros, paredes e telhados com água da rede pública ou com água extraída de outras origens naturais, com exceção de intervenções de conservação de edifícios;

▪️ Utilização de água de origens alternativas, como seja ApR, sempre que disponível, para usos não potáveis urbanos, como lavagens de ruas, pavimentos, veículos e equipamentos de entidades públicas e contentores de resíduos urbanos, devendo ser reduzida a periodicidade das lavagens;

▪️ Suspensão da utilização da água da rede pública para lavagem de veículos (ligeiros ou pesados) motociclos, quadriciclos, trotinetes ou similares, exceto se for efetuada em estabelecimentos licenciados para a atividade comercial e que tenham sistemas de recirculação de água ou utilização de esponja e balde fora dos estabelecimentos comerciais;

▪️ Suspensão do fornecimento de água da rede pública através de contadores de usos de água que não geram águas residuais (vulgo “contadores de rega”);

▪️ Revisão das tarifas de abastecimento de água em baixa, para utilizadores domésticos e não-domésticos, bem como para usos que não geram águas residuais, de acordo com as orientações da ERSAR;

▪️ Aplicação da recomendação tarifária dos serviços de águas da ERSAR, visando o aumento da eficiência em situação de contingência.

A presente resolução determina, ainda, que o volume mensal de água para consumo humano que a Águas do Algarve, S. A. poderá fornecer a cada utilizador municipal fica limitado ao valor correspondente a 90 % do volume registado no período homólogo de 2023 – exceto no caso das entidades gestoras dos municípios de Olhão, Lagoa e São Brás de Alportel, cm que o período de referência a considerar será a média dos consumos de 2022/2023.

Mais prevendo que será criada uma componente tarifária adicional para o serviço de abastecimento, aplicável aos utilizadores municipais do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Algarve que excedam aquele volume mensal de consumo (90% do volume registado no período homólogo de 2023).

Adicionalmente, a presente resolução determina, ainda, a constituição de uma linha de financiamento de apoio à exploração de águas subterrâneas no setor agrícola, com financiamento de até € 100.000,00, cuja aplicação visa a compensação dos custos energéticos, bem como o reforço das medidas de eficiência hídrica no abastecimento público em baixa com um financiamento de € 5.000.000,00, a partir de 1 de janeiro de 2025.

Por fim, cumpre ainda referir que a presente Resolução do Conselho de Ministros insta, por um lado, os beneficiários do Plano de Recuperação e Resiliência do Investimento C09-I01 Plano de Eficiência Hídrica do Algarve, com um financiamento de 237,4 milhões de euros, à rápida execução dos investimentos previstos e, bem assim, os beneficiários do Fundo Ambiental à rápida execução dos investimentos relativos à concretização dos projetos para implementação de medidas de contingência, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2025.

 

Das consequências do incumprimento destas medidas:

Todas as entidades públicas e privadas devem colaborar ativamente, no mais curto prazo possível, na execução das medidas elencadas na presente resolução, durante o período da sua vigência, sendo certo que o cumprimento destas medidas será alvo de fiscalização por parte das autoridades competentes [p. ex.: APA (ARH Algarve), IGAMAOT, Câmara Municipal, Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, etc.].

O diploma prevê que o incumprimento de ordens ou de mandados legítimos, emitidos pelas entidades competentes, relativas às medidas referidas na presente resolução, constitui contraordenação ambiental leve, com pagamento de uma coima entre € 200,00 e € 4.000,00, no caso de pessoa singular, e entre € 2.000,00 e € 36.000,00, no caso de pessoa coletiva, consoante a medida da culpa.

Para este efeito, relembramos que uma ordem ou mandado poderá ser emitida através de um edital ou comunicado, devidamente publicado e dirigido à população em geral.

Significando isto que, a verificação do incumprimento destas medidas pode ser imediatamente sancionada como contraordenação ambiental leve, que pode vir a ser agravada, após respetiva notificação e caso o incumprimento se mantenha, em contraordenação ambiental grave, com consequente aplicação de uma coima entre € 2.000,00 e € 40.000,00, no caso de pessoa singular, e € 12.000,00 e € 216.000,00, no caso de pessoa coletiva, consoante a medida da culpa.

 

Conclusão:

A presente Resolução do Conselho de Ministros, procede ao alívio de algumas restrições impostas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 26-A/2024, designadamente, disponibilizando mais 20 hm3 à região (cerca de 10 % dos consumos globais), garantindo a prioridade dos usos e assegurando uma reserva de água disponível no final de 2024 que garanta o abastecimento público durante 2025.

Este acréscimo será de 2,65 hm3 no setor urbano, 13,14 hm3 no setor agrícola e de 4,17 hm3 no setor do turismo, a que corresponde uma redução de procura nos volumes de água captados nas albufeiras de 10 % para o setor urbano e de 13 % para os setores agrícola e do turismo e, bem assim, uma redução de 15% para as captações de águas subterrâneas face ao volume titulado.

As medidas de contingência ora aprovadas, que visam fundamentalmente diminuir a procura de água por forma a garantir as necessidades essenciais da época do verão e terminar o ano de 2024 com reservas para garantir o abastecimento público durante 2025, vigorarão até ao final do mês de dezembro de 2024.

No entanto, uma vez que a atual situação de alerta exige vigilância, em agosto de 2024, será feita uma reavaliação da situação, nomeadamente no que respeita à situação hidrológica das albufeiras e águas subterrâneas e à eficácia das medidas implementadas, podendo, nessa altura, justificar-se a revisão das medidas em vigor.

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