PRA

Helena Braga Marques

Sócia | Laboral | Coordenadora da Unidade Económica de Transportes
PRA

Augusto Almeida Correia

Associado Coordenador | Propriedade Intelectual e Privacidade PRA Porto

Fevereiro 17, 2023

Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações

Helena Braga Marques e Augusto Almeida Correia, chamam à atenção para a Lei do Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, que mais do que pressupor a criação de um canal de denúncias, esta Lei veio prever uma série de novas obrigações e ónus legais sobre as empresas, nomeadamente ao nível laboral e da privacidade/proteção de dados.

WHISTLEBLOWING | Canais de denúncia 

O Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, previsto na Lei n.º 93/2021 de 20/12, tem como propósito regular a proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, relativas a matérias bem especificas, de entre as quais se destacam a contratação pública; serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo; segurança dos transportes; proteção do ambiente; saúde pública; defesa do consumidor; proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação, bem como violação de regras de concorrência e de auxílios estatais.

Em concreto, a importância da proteção dos denunciantes em termos de prevenção e dissuasão da prática de violações das normas da União de segurança dos transportes, suscetíveis de porem em perigo vidas humanas, havia já sido reconhecida nos atos setoriais da União relativos à segurança da aviação, através do Regulamento (UE) n.º 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, e à segurança do transporte marítimo, nomeadamente, as Diretivas 2013/54/UE e 2009/16/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelecem medidas adaptadas de proteção dos denunciantes, assim como canais de denúncia próprios. Esses diplomas instituem também a proteção dos trabalhadores que denunciem erros por si cometidos de boa-fé contra atos de retaliação («cultura justa»). A Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, transposta para o nosso ordenamento jurídico pela referida Lei n.º 93/2021, vem assinalar a necessidade de complementar os atuais elementos de proteção dos denunciantes nesses dois setores, bem como prever essa proteção noutros modos de transporte, a saber, o transporte por via navegável, rodoviário e ferroviário, a fim de reforçar a aplicação das normas de segurança nesses modos de transporte.

Tal Lei veio determinar um conjunto de obrigações para as empresas, nomeadamente, no que diz respeito à implementação de canais de denúncia e à garantia de proteção dos denunciantes.

Assim, considera-se um denunciante qualquer pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida.

Esta Lei visa, assim, abranger e proteger, qualquer pessoa que possa ser objeto de represálias, ainda que não seja trabalhador. Nesse sentido, podem ser denunciantes:

▪ Os trabalhadores do setor privado, social ou do setor público;

▪ Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção; e

▪  Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;

▪ Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

A qualidade de denunciante aplica-se, igualmente:

▪ Quando são denunciadas informações sobre violações obtidas numa relação profissional, como as acima descritas, que, entretanto, tenha terminado (por exemplo, um ex-trabalhador);

▪ Quando a relação profissional não se tenha iniciado, nos casos em que o denunciante tenha obtido a informação sobre a denúncia numa fase de negociação pré-negocial.

No âmbito da Lei em apreço, estes canais criados para denúncias em contexto profissional, devem assegurar, entre outros aspetos, a confidencialidade e a possibilidade das denúncias poderem ser realizadas anonimamente.

Estão, por isso, obrigadas a ter um canal de denúncia:

▪ as entidades privadas com 50 ou mais trabalhadores;

▪ independentemente do número de trabalhadores, as empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação da legislação relativa a serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança dos transportes e proteção do ambiente; e

▪ as entidades públicas que empreguem 50 ou mais trabalhadores, com exceção das autarquias locais que tenham menos de 10.000 habitantes.

Ponto igualmente importante, e uma das grandes novidades desta Lei, nomeadamente do lado das empresas abrangidas pela mesma, é a questão da proibição de atos retaliatórios contra o denunciante.

Nesse sentido a Lei aqui em análise veio estabelecer uma série de presunções de atos de retaliação, praticados até dois anos após a denúncia ou divulgação pública, que irão obrigar as empresas a ter um especial cuidado, nomeadamente no que aos seus trabalhadores diz respeito.

Assim, assiste-se a uma verdadeira inversão do ónus da prova, competindo às empresas ilidir tais presunções e provar que um determinado ato praticado contra um trabalhador/denunciante foi efetivamente fundamentado e justificado.

Exemplos dessas presunções, desde que praticadas até dois anos após a denúncia ou divulgação pública realizada pelo trabalhador/denunciante em causa, são: alterações das condições de trabalho; suspensão de contrato de trabalho; avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego; despedimento ou não renovação de um contrato de trabalho a termo; e a aplicação de uma sanção disciplinar.

Assim, muito mais do que a mera criação de um canal de denúncias, esta Lei veio prever uma série de novas obrigações e ónus legais sobre as empresas, nomeadamente ao nível laboral e da privacidade/proteção de dados.

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