Clélia Brás
Nuno Oliveira Santos
Tiago Leal
Edna Morais
Outubro 10, 2023
Mais Habitação: Breves esclarecimentos sobre as alterações legislativas
Depois de vociferadas politicamente, eis que surgem plasmadas em diploma legal, as diversas alterações legislativas que visam responder às questões e problemas que têm assolado o país, no plano de um dos mais elementares direitos, com consagração constitucional, a Habitação.
A presente Nota Informativa visa elencar, de forma genérica e discriminada, algumas das alterações publicadas a 06 de outubro de 2023, que já se encontram em vigor.
1. ARRENDAMENTO
1.1 Limite da renda inicial nos novos contratos de arrendamento habitacionais
A renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais que incidam sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento celebrados nos 5 (cinco) anos anteriores a 07 de outubro de 2023 não pode exceder o valor da última renda praticada sobre o mesmo imóvel em contrato anterior, aplicado o coeficiente de 1,02.
Em termos práticos, o que significa?
Significa que um novo contrato de arrendamento, respeitante a um imóvel arrendado nos últimos cinco anos, que tenha como último valor da renda € 600,00 (Seiscentos euros), não poderá (em princípio) determinar uma renda superior a € 612,00 (Seiscentos e doze euros).
Em princípio? Então poderá ser superior?
Sim, quando o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sido objeto de uma ou mais atualizações legalmente permitidas, ao valor da renda inicial (no exemplo supra, aos € 612,00) podem, ainda, ser aplicados os coeficientes anuais ao abrigo do artigo 24.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação.
Neste caso, note-se que o coeficiente a considerar para o ano de 2023 é de 1,0543 (resultante do Aviso n.º 20809-A/2022, de 28 de Outubro) e já não o que resultou Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, que impôs um limite de 1,02.
Podendo ainda ser superior, no caso de imóveis que sejam objeto de obras de remodelação ou restauro profundos, devidamente atestadas pela Câmara Municipal, caso em que à renda inicial dos novos contratos de arrendamento pode acrescer o valor relativo às correspondentes despesas suportadas pelo senhorio, até ao limite anual de 15 %.
1.2 Contratos de arrendamento habitacional antigos não transitam para NRAU
Os contratos de arrendamento habitacional celebrados antes de 1990, nos quais o arrendatário demonstre o preenchimento de alguns requisitos, não transitam para o atual regime de arrendamento urbano.
1.3 Apoio à promoção de habitação para arrendamento acessível
É criado um apoio, ao qual poderão aceder as cooperativas de habitação e construção, que cumpram certas condições; as sociedades comerciais que se dediquem à construção civil, em consórcio ou sob outra forma de associação com sociedades comerciais, cujo objeto social inclua o arrendamento para habitação e a gestão de património, que cumpram certas condições, os Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, e a Direção Regional da Habitação dos Açores, os municípios e as juntas de freguesia, as misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa ou de reconhecido interesse público.
Como funciona?
Este apoio é executado através de incentivos fiscais, bem como mediante uma linha de financiamento ou através da cedência de terrenos e edifícios públicos.
No que respeita à Linha de Financiamento
É disponibilizada uma linha de financiamento, promovida pelo Banco Português de Fomento, S.A (até 20 de novembro de 2023 ou, se ulterior, na data de aprovação das condições legalmente exigidas) com garantia mútua e bonificação da taxa de juro, para projetos na área da habitação acessível, nomeadamente para construção ou reabilitação, incluindo a aquisição do imóvel para este efeito, e posterior arrendamento, no montante global máximo de € 250 000 000 (duzentos e cinquenta mil euros).
Os termos e as condições da linha de financiamento são regulamentados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da economia e da habitação, mediante proposta do Banco Português de Fomento, S. A., em colaboração com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.).
Admite-se o arrendamento a entidades públicas para subsequente subarrendamento a candidatos que cumpram os critérios de elegibilidade no âmbito dos programas promovidos por aquelas entidades na área da habitação acessível.
No que concerne à cedência de terrenos e edifícios públicos
Caberá ao Governo identificar o património imobiliário público para cedência ao abrigo deste apoio, com vista à promoção, disponibilização e gestão de arrendamento acessível, sendo a afetação do património realizada através de cedência do direito de superfície, por um prazo máximo de 90 (noventa) anos, renovável mediante acordo entre as partes para o mesmo fim.
Tal direito de superfície é transmissível, desde que salvaguardados todos os direitos e deveres inerentes, nomeadamente o dever de afetação dos fogos à promoção de habitação para arrendamento acessível, não sendo permitida a transferência da propriedade plena para os beneficiários.
Existem limitações no que respeita à alienabilidade?
Os fogos promovidos ao abrigo deste regime ficam afetos ao arrendamento acessível, pelo período mínimo de:
E depois de tal prazo?
Decorrido tal prazo de arrendamento e em caso de venda, os municípios e o IHRU, I. P., têm direito de preferência na aquisição dos fogos promovidos ao abrigo de tal regime, por valor calculado de acordo com a legislação aplicável à promoção de habitações a custos controlados, reportados à data de conclusão do empreendimento e atualizado pelo fator de correção monetária.
1.4 Balcão nacional do arrendamento dá lugar ao balcão do arrendatário e do senhorio
Com competência em todo o território nacional, foi agora criado o Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), destinado a assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo e da injunção em matéria de arrendamento.
2. ALOJAMENTO LOCAL
Duração e Renovação
Determina-se que os registos de Alojamento Local (AL) terão uma duração de 5 (cinco) anos, renovável por idênticos períodos, sendo a primeira renovação contada a partir da data de emissão do título de abertura ao público.
As renovações do registo carecem de deliberação expressa da câmara municipal territorialmente competente, com faculdade de delegação e subdelegação, no prazo definido em regulamento municipal, podendo opor-se, com base nos requisitos de funcionamento dos estabelecimentos ou, quando aplicável, com o previsto na respetiva Carta Municipal de Habitação.
Suspensão de novos registos
Determina-se, com a exclusão do interior do território nacional e arquipélagos, a suspensão de novos registos de estabelecimentos de Alojamento Local nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem que se encontrem integrados numa fração autónoma de edifício.
E quanto aos registos entretanto emitidos?
Os registos de Alojamento Local emitidos à data de 07 de Outubro de 2023 serão objeto de reapreciação durante o ano de 2030, passando a ser renováveis por 5 (cinco) anos a partir da primeira reapreciação. Não serão objeto de reapreciação os estabelecimentos de Alojamento Local que constituam garantia real de contratos de mútuo celebrados até 16 de fevereiro de 2023, que ainda não tenham sido integralmente liquidados a 31 de dezembro de 2029, cuja primeira reapreciação só terá lugar após a amortização integral inicialmente contratada.
Registos Inativos – Caducidade
No prazo de 2 (dois) meses a contar de 07 de outubro de 2023, os titulares do registo de Alojamento Local são obrigados a efetuar prova, mediante apresentação de declaração contributiva, da manutenção da atividade de exploração, comunicando efetividade de exercício na plataforma RNAL – Registo Nacional de Alojamento Local, através do Balcão Único Eletrónico; caso contrário, será cancelado o respetivo registo por decisão do presidente da câmara municipal territorialmente competente. Tal obrigação não abrange a exploração de unidades de alojamento local em habitação própria e permanente, desde que essa exploração não ultrapasse 120 (cento e vinte) dias por ano.
Por força das alterações legislativas, o Condomínio tem uma palavra a dizer?
Sempre que o estabelecimento de Alojamento Local seja registado em fração autónoma de edifício em regime de propriedade horizontal que se destine, no título constitutivo, a habitação, deve o registo ser precedido de decisão do condomínio para uso diverso de exercício da atividade de alojamento local.
No caso de a atividade de Alojamento Local ser exercida numa fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por deliberação de pelo menos 2/3 (dois terços) da permilagem do edifício, pode opor-se ao exercício da atividade de Alojamento Local na referida fração, salvo quando o título constitutivo expressamente preveja a utilização da fração para fins de Alojamento Local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim.
A assembleia de condóminos pode determinar, por deliberação aprovada por maioria dos votos representativos do capital investido, que os estabelecimentos de Alojamento Local disponham de um número de contacto telefónico permanente de emergência, o qual deve ser facultado aos demais condóminos.
Contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL)
O alojamento local (AL) vai passar a pagar uma contribuição extraordinária (CEAL), cuja base tributável é constituída pela aplicação de um coeficiente económico (que tem em conta a área do imóvel e o rendimento) e de pressão urbanística. A taxa aplicável a esta base tributável é de 15% e não pode ser dedutível à determinação do lucro tributável em IRC.
Contudo, a CEAL não se aplica aos imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, bem como os AL que funcionam em habitação própria e permanente, desde que a exploração não ultrapasse 120 dias por ano, sendo ainda de acrescentar que a mesma não se aplica a imóveis localizados no interior do país.
O coeficiente económico é determinado pelo rendimento médio anual por quarto disponível em AL, o que significa que a mecânica da CEAL assenta numa presunção do rendimento auferido pelo sujeito passivo.
Tal formulação é violadora do princípio constitucional da capacidade contributiva, segundo o qual a tributação deve ser igual para quem possui os mesmos rendimentos, e diferente para quem possui rendimentos diferentes. No fundo, o princípio pela capacidade contributiva exige uma tributação tendencialmente igualitária dos sujeitos passivos que tenham auferido os mesmos rendimentos, e não uma tributação de rendimentos que se presume que o sujeito passivo tenha auferido.
Mais ainda, o regime da CEAL prevê ainda que o proprietário do imóvel afeto ao Alojamento Local que não seja o seu titular é subsidiariamente responsável pelo pagamento da CEAL, e, caso o titular do AL não apresente a declaração necessária para liquidação da CEAL, a mesma será liquidada oficiosamente ao proprietário do imóvel.
Estas duas medidas constituem, mais uma vez, uma violação do princípio da capacidade contributiva.
Por fim, a CEAL é classificada como um tributo público com natureza de contribuição. As contribuições são tributos exigidos por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumidamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, estabelecendo um “meio-termo” entre as taxas e os impostos.
No entanto, não existe qualquer prestação administrativa da qual os titulares de AL tenham presumidamente provocado ou beneficiado, pelo que, enquanto contribuição, este tributo não preenche os requisitos doutrinais necessários para a sua criação.
Outras alterações em sede de Alojamento Local
Da comunicação prévia obrigatória e condição necessária para a exploração de estabelecimentos de alojamento local que já se impunha, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal, passa agora constar, obrigatoriamente, a informação quanto ao período de sazonalidade, sempre que se trate de habitação própria e permanente utilizada para este fim por período não superior a 120 (cento e vinte) dias.
Consigna-se que o número de registo do estabelecimento de alojamento local é pessoal e intransmissível, ainda que na titularidade ou propriedade de pessoa coletiva, apenas assim não sendo em caso de sucessão.
Os proprietários que retirem as casas do alojamento local até ao final de 2024 e as coloquem no arrendamento habitacional vão deter isenção de IRS ou IRC sobre as rendas até ao final de 2029 e não estão sujeitos a qualquer limite no valor da renda que pretendam praticar. Para tal, o contrato de arrendamento terá de ser efetuado até 31 de dezembro de 2024, sendo que apenas os imóveis com registo de Alojamento Local até 31 de dezembro de 2022 são elegíveis para os devidos efeitos.
3. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
Foram alteradas as verbas 2.18 e 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, as quais passam, doravante, a ter a seguinte redação:
▪ Verba 2.18 – As empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis de habitações económicas, habitações de custos controlados ou habitações para arrendamento acessível nos termos definidos em portaria do membro do Governo responsável pela área da habitação, independentemente do promotor, desde que pelo menos 700/1000 dos prédios em propriedade horizontal ou a totalidade dos prédios em propriedade total ou frações autónomas sejam afetos a um dos referidos e certificadas pelo IHRU, I.P., ou, quando promovidas na Região Autónoma da Madeira ou na Região Autónoma dos Açores, pela IHM – Investimentos Habitacionais da Madeira, EPERAM, ou pela Direção Regional da Habitação dos Açores, respetivamente;
4. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES
O número 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais foi revogado, deixando de ser tributadas à taxa autónoma de 5%, sem prejuízo da opção pelo englobamento, as mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana.
5. IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE AS TRANSMISSÕES E IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
5.1 Aquisição de imóveis para revenda
No âmbito da isenção de IMT na aquisição dos prédios destinados a revenda, o Mais Habitação veio reduzir, de três para um ano, o período em que os imóveis têm de ser novamente revendidos, introduzindo novas regras quanto à caducidade desta isenção em caso de não revenda ou em caso de revenda novamente para revenda. Assim, a isenção caduca nas seguintes situações:
Nestas situações o imposto é devido desde a data da aquisição, acrescido de juros compensatórios.
Dando desde já a devida nota que se considera “destino diferente da revenda” a conclusão de obras de edificação ou melhoramento, ou de quaisquer outras alterações suscetíveis de gerar uma variação do valor patrimonial tributário do imóvel.
5.2 Isenção de IMI em terrenos para construção
Para além dos terenos plasmados para efeitos de Construção, é estabelecido um novo conceito de terrenos para construção de habitações e prédios destinados a uso habitacional, para determinar que ficam isentos de IMI:
▪ os terrenos para construção cujo procedimento de controlo prévio para obras de construção de imóveis com afetação habitacional tenha sido iniciado junto da entidade competente, e para os quais ainda não tenha havido decisão final;
▪ os prédios em que o procedimento de controlo prévio para utilização habitacional tenha sido iniciado junto da entidade competente, e para os quais ainda não tenha havido decisão final.
A isenção inicia-se a partir do momento em que os sujeitos passivos apresentarem, no serviço de finanças da área da situação dos prédios, documento comprovativo do início do procedimento de controlo prévio, sendo que a mesma caduca:
▪ Caso aos prédios seja dada uma utilização diversa do fim habitacional, sendo nesse caso devido o imposto desde o momento da aquisição;
▪ Após decisão do procedimento de controlo prévio, devendo, para este efeito, os sujeitos passivos ou os municípios, comunicar a decisão final do procedimento de controlo prévio à Autoridade Tributária, num prazo máximo de 60 dias a contar da decisão.
Ainda, a considerar-se afeto ao conceito de terreno para construção, o Mais Habitação vem conceder aos municípios o direito a requererem que os prédios urbanos devolutos que não constituam uma fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal e os prédios urbanos em ruínas sejam avaliados como terrenos para construção, mediante indicação das áreas brutas previstas pelo município, prevalecendo a avaliação da qual resultar um VPT mais elevado.
5.3 Isenção de IMI prédios destinados à habitação
Mantém-se o período de isenção de IMI de três anos para os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário não exceda € 125.000,00 e acrescenta-se a possibilidade de prorrogação da isenção por mais dois anos, mediante deliberação da assembleia municipal, que deve ser comunicada à Administração tributária, por transmissão eletrónica de dados, até 31 de dezembro, para vigorar no ano seguinte.
6. GOLDEN VISA
Não são admitidos novos pedidos de autorização de residência para atividade de investimento, concedidos ao abrigo das modalidades de transferência de capitais de 1,5M e de investimento imobiliário, nomeadamente na aquisição de bens imóveis por € 500.000,00 e por € 350.000,00 sujeitos à realização das obras de reabilitação, conforme previsto nas subalíneas i), iii) e iv) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, nos termos previstos no seu artigo 90.º-A, a partir de 7 de outubro de 2023.
Não obstante, todos os pedidos de concessão e de renovação de autorização de residência para atividade de investimento que se encontrem a aguardar decisão junto das entidades competentes à data da entrada em vigor da mencionada Lei, mantém-se válidos. Assim como, não se encontra prejudicada a possibilidade de renovação das autorizações de residência para atividade de investimento quando essas autorizações tenham já sido concedidas ao abrigo do regime legal aplicável até à referida data (ou estejam a aguardar aprovação), situação aplicável aos cidadãos titulares de autorização de residência para atividade de investimento e seus familiares que cumpram os requisitos previstos no artigo 80.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, e pretendam requerer a concessão de uma autorização de residência para atividade de investimento permanente.
Sem prejuízo das referidas modalidades de investimento já não serem admissíveis para novos investidores, mantém-se as restantes modalidades que continuam a ser elegíveis para efeitos de Golden Visa, nomeadamente: