PRA

Pedro Rebelo Tavares

Associado Sénior | Propriedade Intelectual e Privacidade
PRA

Francisca Santos Costa

Advogada Estagiária | Comercial e Contratos

Outubro 18, 2023

O novo pacote legislativo sobre os serviços digitais da União Europeia

Pedro Rebelo Tavares e Francisca Costa esclarecem os dois novos regulamentos da União Europeia, que visam regulamentar as plataformas digitais.

A União Europeia tornou-se recentemente na primeira jurisdição com regras para plataformas digitais, publicando, no quadro dos seus objetivos para a Década Digital até 2030, dois novos Regulamentos com o intuito de difundir os valores europeus no mundo digital e estabelecer, desta forma, regras e orientações para as referidas plataformas, visando, entre outros, a eliminação de conteúdos ilegais.

Ambos os diplomas constituem Regulamentos da União Europeia, de caráter obrigatório e aplicação direta em todos os Estados-Membros, que visam garantir mercados digitais abertos à concorrência e um ambiente em linha seguro e leal de forma transversal a todos os participantes, sejam estes utilizadores finais, profissionais ou prestadores de serviços.

O objetivo primordial do Regulamento Serviços Digitais (no inglês, Digital Services Act –“DSA”) consiste em assegurar o bom funcionamento do mercado interno, em particular no que diz respeito à prestação de serviços digitais transfronteiriços (mais especificamente, serviços intermediários), estabelecendo isenções de responsabilidade, mas também obrigações de devida diligência para a criação, manutenção de uma experiência transparente e segura em contexto digital. Tais obrigações variam em alcance e extensão consoante se tratem de serviços intermediários, de alojamento virtual, de plataformas em linha ou de plataformas em linha de muito grande dimensão.

Dentro destas, destacam-se as obrigações de:

  • as plataformas em linha disponibilizarem um sistema interno de tratamento de reclamações relativamente a decisões tomadas em relação a alegados conteúdos ilegais ou informações incompatíveis com os seus termos e condições;
  • apresentação de relatórios de transparência;
  • designar um representante legal na União para os prestadores não estabelecidos em nenhum Estado-Membro, mas que ofereçam os seus serviços na União;
  • colaboração com organismos certificados de resolução extrajudicial de litígios para resolverem qualquer litígio com os utilizadores dos seus serviços.

A estas obrigações e às restantes determinadas pelo supramencionado Regulamento, estão, naturalmente, associadas algumas sanções impostas em caso de incumprimento, que podem alcançar 6% do rendimento ou do volume de negócios anual do prestador de serviços intermediários em causa. Os destinatários do serviço têm ainda o direito de apresentar uma reclamação contra estes prestadores de serviços intermediários.

No que respeita ao Regulamento Mercados Digitais (no inglês, Digital Markets Act – “DMA”), sabemos que os serviços digitais, em geral, e as plataformas em linha, em particular, desempenham, cada vez mais, uma função importante na economia, proporcionando novas oportunidades de negócio na União e facilitando o comércio transfronteiriço.

Destarte, este Regulamento vem estabelecer critérios para determinar alguns operadores como controladores de acesso ao mercado, por deterem um impacto significativo e conseguirem colocar entraves aos seus concorrentes, originando situações de dependência significativa de muitos utilizadores profissionais em relação a estes, determinando tais critérios – nomeadamente um volume de utilizadores superior a 45 milhões – quais os casos em que essas práticas se assumem como limitadoras e desleais para com esses utilizadores profissionais.

No dia 6 de setembro de 2023, a Comissão Europeia designou seis controladores de acesso, mais concretamente as empresas Alphabet, Amazon, Apple, ByteDance, Meta e Microsoft.

Assim, estes controladores de acesso ficarão obrigados, até março de 2024, ao cumprimento de várias obrigações adicionais específicas relativamente a alguns dos seus produtos e serviços, tais como redes sociais, serviços de mensagens instantâneas, motores de busca, navegadores, serviços de intermediação em linha, serviços de publicidade e sistemas operativos, designadamente:

  • restrições adicionais relativas ao tratamento de dados pessoais dos utilizadores para efeitos de publicidade direcionada;
  • restrições à partilha de utilizadores entre plataformas;
  • a obrigação de garantirem o direito à desinstalação dos seus produtos;
  • a proibição de classificarem os seus produtos ou serviços de forma mais favorável que os de empresas concorrentes;
  • a obrigação de assegurar a interoperabilidade dos seus serviços de mensagens instantâneas;
  • a necessidade de estabelecerem condições leais para os utilizadores profissionais.

O incumprimento das novas obrigações por parte dos designados controladores de acesso importará a aplicação de sanções e coimas que variam consoante for mais ou menos gravoso o seu comportamento, cujo máximo representa 10% do volume de negócios total anual no exercício anterior.

O DMA tornou-se plenamente aplicável a 2 de maio de 2023 (6 meses após e sua entrada em vigor) e o DSA a partir de 16 de fevereiro de 2023 (3 meses após a sua entrada em vigor).

Este novo pacote legislativo, que obrigará as grandes plataformas digitais a cumprir com regras de atuação muito mais restritas de agora em diante, representa uma iniciativa de governação e de defesa da concorrência no mercado digital extremamente ambiciosa por parte da União Europeia, em particular tendo em consideração a importância cada vez maior dos serviços digitais nas nossas vidas e no contexto empresarial de um modo geral.

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