PRA

Mário Longras

Associado Principal | Imobiliário

Junho 30, 2023

O novo Simplex Urbanístico: um vislumbre sobre algumas medidas da Proposta de Lei n.º 77/XV

Mário Longras fala sobre as medidas propostas no Simplex Urbanístico, cujo objetivo é incrementar a celeridade, desburocratizar e simplificar os procedimentos urbanísticos.

É tema sobejamente debatido no panorama atual o Programa Mais Habitação, da iniciativa do XXIII Governo Constitucional por intermédio da Proposta de Lei n.º 77/XV, e do qual fazem parte um conjunto de medidas tendentes à (pretensa) simplificação, celeridade e desburocratização dos procedimentos urbanísticos, que, até então, são perspetivados pelos promotores e demais atores imobiliários como complexos e morosos. Grosso modo, a presente proposta colhe, a esse respeito, a tentativa de vir a promover alterações transversais do ponto de vista da legislação urbanística (mas não só!), como seja o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) e, ainda, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

Para o desiderato em consideração – o objetivo de incrementar celeridade aos procedimentos urbanísticos – são vastas as medidas propostas, e têm que ver com a criação de novas situações de isenção ou dispensa de controlo preventivo, mostrando-se dispensável a figura de qualquer licença ou autorização que confira o respetivo valor jurídico. A esse respeito, destacamos, as obras de construção, alteração ou ampliação quando exista plano de pormenor, loteamento ou unidade de execução quando esta disponha de desenho urbano e programação de obras de urbanização e edificação (a este respeito, merece o nosso apontamento a nova circunstância da execução das edificações em casos em que tenha ocorrido o licenciamento de operação de loteamento, uma vez que ao passo que hodiernamente essas construções se encontrarem sujeitas ao procedimento de comunicação prévia, na presente Proposta de Lei essas construções encontrar-se-ão isentas de qualquer controlo preventivo, o que quer dizer que essas construções posteriores não passarão por qualquer auscultação municipal, bastando-se, para isso, o controlo efetuado anteriormente no âmbito do licenciamento do loteamento.

Além do caso exposto, passarão a encontrar-se isentas de controlo prévio, a título meramente indicativo:

▪ as obras de reconstrução das quais não resulte um aumento da fachada do edifício, ainda que se verifique um acréscimo de número de pisos no interior do mesmo;

▪ as obras interiores, mesmo na circunstância em que ocorra interferência na estrutura do edifício, todavia, com a ressalva de o técnico habilitado vir declarar expressamente que a estrutura de estabilidade é preservada ou que se venha a verificar um reforço da mesma;

▪ o pedido de informação prévia (PIP) perante o qual recaia uma decisão (expressa ou tácita) de deferimento. Neste particular, a Proposta de Lei vem alterar o regime legal associado a presente instrumento em termos que o Interessado possa dar início à obra, sem mais delongas, quando se verifique ter ocorrido aprovação do PIP; de sublinhar, ainda, o prolongamento dos efeitos vinculativos do PIP em relação à Administração, que passam para um período de dois anos.

Com caráter absolutamente invocador, a Proposta de Lei prevê, outrossim, a figura do deferimento tácito nos procedimentos de licenciamento (designadamente, com a revogação da alínea a) do artigo 111.º do RJUE), revogando-se a previsão especifica da intimação judicial para a prática de ato devido (artigo 112.º RJUE), cuja utilidade também era (é) posta em causa tendo em conta a morosidade dos Tribunais. Ora, tal mecanismo de deferimento tácito encontrar-se-á sujeito às seguintes regras de contagem dos prazos:

▪ O prazo para decisão de procedimentos referentes a loteamentos e obras de urbanização conta-se sempre desde a data da receção do pedido, ainda que o Município solicite elementos adicionais/complementares;

▪ O promotor apenas poderá ser notificado uma única vez, no prazo de 15 dias, para efeitos de correção ou complemento do pedido, sendo que não há lugar a suspensão do procedimento se aquele responder nesse prazo;

▪ Não havendo causa para rejeição liminar ou sequer convite para que o interessado proceda à correção ou complemento do pedido, considerar-se-á que o requerimento se encontra devidamente instruído, pelo que não poderá ser solicitado ao particular qualquer correção ou informação adicional, nem tão pouco ser indeferida a pretensão com fundamento na incompleta instrução do pedido;

▪ As consultas às entidades externas (nas situações em que não seja realizada conferência procedimental deliberativa) não fazem suspender o procedimento de licenciamento;

▪ Uma vez ultrapassados os prazos sem que haja decisão expressa, o interessado poderá lançar mão, a partir de 1 de janeiro de 2024, do pedido de certificação do deferimento tácito através da emissão de uma certidão obtida eletronicamente, conforme previsto no artigo 28.°-B do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril.

Ora, pela alteração proposta acabada de descrever, uma vez que o procedimento de licenciamento assenta no procedimento urbanístico característico em que se impõe realmente a análise e pronúncia da Administração, no sentido de asseverar do cumprimento dos imperativos legais e regulamentares do concreto projeto, torna-se, em nossa opinião, manifestamente pernicioso, sujeitá-lo à livre declaração da formação de um ato tacitamente deferido. Mais: tal proposta reveste um imperativo categórico daquilo que se entenderá, estoicamente, um completo recuo, já que a figura do deferimento tácito, no âmbito de procedimentos de licenciamento, tinha sido abandonada em 1999, precisamente com a entrada em vigor do RJUE.

Fica, por isso, por um lado, prejudicado o interesse público – aqui traduzido na garantia da legalidade urbanística – que à Administração incumbe prosseguir, bem como, por outro lado, sobejamente abalado o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, aqui já na veste dos particulares promotores, visto que a segurança que um ato final, expresso, de deferimento – proferido no âmbito de um procedimento administrativo devidamente perscrutado e analisado –, que assegura a ou expressa a conformidade da legalidade da pretensão urbanística, é tanto maior que a segurança (relativa) de um ato meramente tácito, e que poderá ser alvo de (mais facilitada sindicância) caso se verifique, a posteriori, ser contrário à Lei, o que, do ponto de vista dos corolários associados, terá certamente inerente implicações altamente onerosas e gravosas para o particular promotor.

Por outro lado, refira-se, ainda, que as operações urbanísticas objeto de licenciamento deixarem de ser tituladas pela figura do alvará. Por conseguinte, os licenciamentos urbanísticos serão titulados pelo recibo de pagamento das taxas legalmente devidas, cuja emissão será, em substituição do alvará, a condição de eficácia da licença (com exceção dos casos em que se verifique deferimento tácito, cujo não pagamento de taxas não será condição de eficácia da licença (artigo 74.° do RJUE).

Uma última nota nesta sede esboça a proposta de alterações apresentada a propósito da figura da “autorização de utilização dos edifícios”: concretamente, a Proposta de Lei em análise prevê, nada mais nada menos, a sua eliminação. Assim, nas situações de utilização de edifícios ou frações autónomas na sequência de obras sujeitas a controlo prévio, passar-se-á a exigir apenas uma mera comunicação prévia dando conta da conclusão da obra e da sua conformidade com as condições aprovadas e as normas legais e regulamentares, podendo o edifício ou frações serem imediatamente utilizados para o fim pretendido após a submissão dessa mera comunicação prévia (artigo 64.°, n.º 1 do RJUE). Por outro lado, nas situações de utilização ou de alteração de utilização ou de alguma informação constante do título de utilização, que não tenha sido precedida de operação sujeita a controlo prévio, o particular apresentará uma comunicação prévia (sujeita a prazo), pelo que, após a sua submissão, se o Presidente da Câmara não promover a realização de vistoria no prazo de 5 dias, pode o requerente iniciar a sua utilização, deixando de haver, igualmente nestes casos, titulação por alvará.

Percorremos neste apartado algumas das medidas constantes no novo Simplex Urbanístico, que não esgotam (nem seria esse o presente desiderato) o teor e conteúdo integrante da Proposta de Lei, cujo exame exaustivo merece uma apreciação crítica noutras sedes. Em todo o caso, da análise e menção discorrida, cremos que as medidas em apreciação poderão constituir um busílis na bondade do legislador em desburocratizar, simplificar e imprimir celeridade numa panóplia de procedimentos (urbanísticos) cuja essência nem sempre coaduna com a simplificação. Veremos, por isso, em primeira linha, se as propostas em crise verão, efetivamente, a luz do dia e se, nesse caso, não assistirá o espetador jurídico a uma procura judicial ainda maior que a existente, à presente data, na correspondente matéria.

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