Nuno Oliveira Santos
Novembro 3, 2022
Orçamento do Estado e alterações no IRC: a ambiguidade de um mar de rosas
Com a proposta apresentada pelo Governo para o Orçamento do Estado para 2023, o regime de dedução de prejuízos fiscais, em sede de IRC, poderá sofrer alterações merecedoras de uma análise mais profunda.
A alteração de maior destaque reporta-se à eliminação do limite temporal de dedução de prejuízos fiscais das entidades sujeitas a IRC.
Na sua redação atual, o artigo 52º, nº 1, do Código do IRC dispõe que os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à exceção dos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial e que sejam classificadas como pequenas e médias empresas, os quais podem fazê-lo em um ou mais dos doze períodos de tributação posteriores.
Todavia, com a nova proposta de redação, os limites temporais seriam eliminados, podendo os sujeitos passivos reportar os prejuízos fiscais de um determinado exercício em qualquer outro exercício posterior, uma alteração que agradará, certamente, às empresas portuguesas.
No que diz respeito ao valor a deduzir, este não poderá ser superior a 65% do lucro tributável do respetivo exercício, uma descida residual, considerando que a redação atual prevê um limite de 70%.
Por outro lado, há ainda outra alteração merecedora de destaque, embora não seja pelos melhores motivos.
A nova redação proposta para o artigo 52º, nº 8, do Código do IRC estabelece que a dedução de prejuízos fiscais não é aplicável quando se verificar que, até à data do termo do exercício em que é efetuada a dedução face ao exercício a que respeitam os prejuízos, se verificou uma alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto. No entanto, a exceção determina que, se a conclusão da operação não teve como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que a operação tenha sido realizada por razões económicas válidas.
Ainda relativamente a este regime, o Governo propõe a eliminação do mecanismo que possibilitava, mediante pedido de autorização ao Ministro das Finanças, o afastamento da limitação mencionada anteriormente.
O principal problema com esta alteração diz respeito ao conceito de “razões económicas válidas”, que se revela um conceito indeterminado, refletindo alguma insegurança jurídica a este regime, aumentando a probabilidade de existir um maior número de litígios relativamente às operações que levem à alteração significativa da titularidade do capital social das empresas.
A insegurança e as incertezas são agravadas pela ausência do pedido de autorização ao Ministro das Finanças, o que constitui uma diminuição das garantias ao dispor do sujeito passivo, que fica mais exposto à apreciação da Autoridade Tributária e que ocorrerá sempre “à posteriori”.
Em suma, as alterações propostas concederão às empresas uma ferramenta de reporte de prejuízos com maior alcance temporal, o que lhes permitirá garantir que determinados prejuízos não perdem a sua utilidade, com a consequente justiça e igualdade entre as empresas, o que é de saudar.
Porém, e como nem tudo poderia ser “um mar de rosas”, também implicam cenários de maior, e totalmente injustificada, incerteza, no âmbito das operações que envolvam alterações significativas da titularidade do capital social das empresas.