Inês Santos
Outubro 9, 2023
Regime Contributivo de 2011: letra(s) morta(s) e normas proteladas
O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, doravante, CRCSPSS, veio consagrar normas que, em princípio, tornariam o sistema da segurança social mais favorável ao empregador e, simultaneamente, visavam o combate da exclusão social e da pobreza.
O CRCSPSS regula os regimes abrangidos pelo sistema previdencial aplicáveis aos trabalhadores por conta de outrem ou em situação legalmente equiparada para efeitos de segurança social, aos trabalhadores independentes, bem como o regime de inscrição facultativa.
No entanto, este diploma de 2011 tem uma particularidade – consagra normas que, não obstante constarem do diploma, acabaram por nunca ser verdadeiramente aplicadas.
O artigo 14.º do CRCSPSS definiu a base de incidência contributiva como o montante das remunerações, reais ou convencionais, sobre as quais incidem as taxas contributivas, nos termos consagrados no Código, para efeitos de apuramento do montante das contribuições e das quotizações.
Para tal, o artigo 46.º do CRCSPSS delimitou a base de incidência contributiva, elencando as prestações que integrariam essa base. Contudo, no número dois do preceito é mencionado, por exemplo, que os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho, integram a base de incidência contributiva.
Acresce, ainda, que “nos termos dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, esta alínea só entra em vigor quando for regulamentada.”
Sem prejuízo dos problemas que a redação deste artigo comportaria aquando da sua aplicação prática, nomeadamente a determinação do que é que constitui uma remuneração “adequada ao seu trabalho”, a verdade é que este rendimento nunca esteve sujeito à aplicação de taxas contributivas, pois nunca foi regulamentado.
À semelhança do exemplo anterior, também há referência aos valores despendidos pela entidade empregadora com seguros de vida e planos de pensões, e às prestações relacionadas com o desempenho obtido pela empresa, respetivamente, também só entrarão em vigor quando regulamentadas.
Ora, o Orçamento do Estado para 2011 previa que a regulamentação das alíneas supramencionadas seria precedida de avaliação efetuada em reunião da comissão permanente de Concertação Social e que só ocorreria em período posterior a janeiro de 2014. Até ao dia de hoje, tal ainda não aconteceu, e já passaram largos anos.
Outro exemplo: o artigo 55.º-A do CRCSPSS, relativo à contribuição adicional por retroatividade excessiva, que prevê que às pessoas coletivas e às pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil apresentassem um peso anual de contratação a termo resolutivo superior ao respetivo indicador setorial em vigor, seja aplicada uma contribuição adicional por rotatividade excessiva, também tem a sua entrada em vigor dependente de regulamentação.
Assim, quer por inércia legislativa ou por opção política do legislador, a verdade é que a sujeição a taxa contributiva das formas de remuneração mencionadas, bem como a contribuição adicional por retroatividade excessiva, nunca se concretizaram, constituindo, por um lado, um incentivo às entidades empregadoras para optarem por formas de remuneração “alternativas” e, por outro lado, a não oneração das mesmas com mais uma forma de tributação, pelo que, nesta matéria, a “letra morta” favoreceu – e continua a favorecer – a situação das entidades empregadoras, com ganhos potenciais para os seus respetivos trabalhadores.