PRA

Almeida Correia

Sócio | Coordenador Família e Sucessões
PRA

Cátia Neto Ferreira

Associada Principal | Família e Sucessões

Março 23, 2022

Regulamento da Nacionalidade Portuguesa de descendentes de judeus sefarditas

O impacto das alterações ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa nos pedidos de nacionalidade de descendentes de judeus sefarditas

Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, veio alterar o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL nº 237-A/2006, de 14 de dezembro, com a última atualização pelo DL nº 71/2017, de 21 de junho), trazendo respostas e (in)certezas quanto a questões que se vinham levantando com as últimas alterações à Lei da Nacionalidade.

Porém, por coincidência com as mais recentes notícias, ou talvez não, o referido decreto-lei, através de diversas alterações ao artigo 24.º-A do Regulamento em vigor, vem introduzir novidades quanto ao pedido de nacionalidade portuguesa por naturalização, de descendentes de judeus sefarditas portugueses, a que se circunscreve a presente informação.
Com efeito o nº 7 do art. 6º da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2020, de 10 de novembro)  prevê que “o Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.” l

O novo regulamento veio introduzir, para além dos três requisitos que o anterior já previa, um novo requisito, sob a alínea d) do nº 1 do art.º 24º-A: demonstração de uma tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. É certo que no anterior regulamento se referia, sob o nº 2, que no requerimento a apresentar pelo interessado são indicadas e demonstradas as circunstâncias que determinam a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesas, designadamente, apelidos de família, idioma familiar, descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem portuguesa.

Não é, no entanto, a mesma coisa, como uma primeira leitura desprevenida nos poderia levar a considerar. Desde logo, uma coisa é um requisito de concessão e outra é uma indicação complementar e meio de prova e, como requisito, é mais exigente, não só pela sua natureza de ser requisito, mas também pela redação que lhe foi dado com a referência a que a demonstração de tradição de pertença se faça com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, o que na anterior redação não estava tão claramente evidenciado, enfatizando, assim, o previsto na lei da nacionalidade, quando refere “requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal”.

Tal mostra-se densificado nos meios de prova que passam a ser necessários, em que se inclui no nº 3, sob duas novas alíneas, i) e ii), a junção de titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo, ou participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas sediadas em Portugal; ou deslocações regulares ao longo da vida do requerente a Portugal.

Assim sendo, não restam dúvidas de que é obrigatório demonstrar não só a tal tradição de pertença, mas também que se faça com base em requisitos objetivos de comprovada ligação a Portugal para que o membro do Governo responsável pela área da justiça ou, por delegação, o presidente do conselho diretivo do IRN, ou outro por este subdelegado (possibilidades atribuídas pela alteração decorrente do artigo 28.º do Regulamento), conceda a nacionalidade ao interessado.

Como acontecia até à data, a demonstração da tradição podia ser efetuada através da apresentação do certificado de comunidade judaica, que atestasse a referida tradição, ou, na sua falta, através dos meios de prova elencados, de forma não exaustiva, no n.º do referido artigo. Porém, passa agora a estar previsto que estes meios de prova necessários são os mesmos que o interessado deve apresentar para efeitos da emissão do certificado da comunidade judaica. Ou seja, o interessado pode, com os mesmos meios de prova que reúne, efetuar pedido de certificado que ateste a tradição a uma comunidade judaica ou avançar diretamente com o pedido de nacionalidade portuguesa, ficando a análise dos meios de prova da tradição a cargo inteiramente do responsável pela concessão da nacionalidade. Assim sendo, ainda que o responsável pela concessão da nacionalidade tenha conhecimento dos meios de prova juntos na comunidade judaica para efeitos de emissão do certificado, o que acontece por força da alteração decorrente do n.º 7 do artigo supra referido, que institui agora a obrigatoriedade da comunidade judaica, ao emitir o certificado, juntar a este todos os documentos que serviram como meio de prova e que estes tenham necessariamente de acompanhar o pedido da aquisição da nacionalidade portuguesa, estamos em crer que o responsável pela concessão da nacionalidade, não pode colocar em causa a análise e interpretação efetuada pela comunidade judaica, sob pena de se perder o efeito útil do certificado. Na senda de tal entendimento se mantém o n.º 6 no artigo supra referido, admitindo o legislador, ainda que indiretamente, que a comunidade judaica tem um maior conhecimento quanto aos meios de prova e a interpretação dos mesmos, para serem aceites como prova da tradição.

O Regulamento acrescenta ainda a obrigatoriedade do certificado judaico ser emitido através de modelo, ainda a aprovar, do qual, para além dos elementos que já eram obrigatórios, deve constar “a indicação dos meios de prova apresentados para o efeito” e, em especial, a ”identificação dos elementos considerados relevantes para atestar a tradição de pertença a essa comunidade”.
Com estas alterações, parece o legislador pretender que não restem dúvidas ao responsável pela concessão da nacionalidade de que o interessado tem tradição de pertença a uma comunidade sefardita portuguesa e, necessariamente, efetiva ligação a Portugal.

Porém, estas alterações referentes aos pedidos de nacionalidade de descendentes de judeus sefarditas, ao contrários das restantes alterações que entram em vigor a 15 de abril, entram em vigor apenas no dia 1 de setembro de 2022, com exceção do despacho a que se refere o nº 4 do art. 24º-A, relativo ao modelo a aprovar do certificado da comunidade judaica.

PRA