PRA

Lin Man

Sócia | Coordenadora China Desk
PRA

Nuno Oliveira Santos

Sócio | Coordenador Fiscal

Dezembro 2, 2022

Vistos Gold, possível fim?

Lin Man e Nuno Oliveira santos comentam, em entrevista para a Executive Digest, a perspetiva anunciada do fim do programa dos Vistos Gold e os seus impactos.

Com a perspectiva anunciada pelo primeiro-ministro António Costa do fim do programa dos Vistos Gold, criado em 2012 no governo de Pedro Passos Coelho com o objetivo de atrair mais investimento estrangeiro para Portugal, a ‘Executive Digest’ falou com dois advogados da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados sobre esta questão e sobre a realidade da presença de estrangeiros em Portugal.

Quem respondeu às nossas perguntas foram Lin Man, Sócia, responsável pela China Desk e Nuno Oliveira Santos, Associado Sénior e Responsável pela área de Fiscal da PRA e manifestaram as suas preocupações com o fim deste programa, algo que consideram “preocupante”. Porém, com um olhar no futuro, e focados mais na nova realidade dos Nómadas Digitais que escolhem Portugal como destino para viver previram um “um crescimento da economia a longo prazo”, com mais jovens a viver no país por este motivo.

Veja estas e outras questões discutidas sobre uma visão baseada em normas legais na entrevista abaixo:

De que tipo de vantagens fiscais beneficiam os estrangeiros que investem em Portugal?

Portugal oferece diversos tipos de vantagens fiscais a não residentes que pretendam investir em Portugal, tanto ao nível da tributação pessoal, como das empresas.

A nível pessoal, salienta-se o regime do Residente Não-Habitual, segundo o qual o investidor estrangeiro poderá beneficiar de uma taxa fixa de imposto de 20%.

Segundo este regime, o qual, aliás, se aplica não só a investidores estrangeiros, mas a qualquer pessoa que não tenha residido em Portugal nos últimos cinco anos e altere a sua residência fiscal para o território nacional, também estará isento de rendimentos passivos de fonte estrangeira, como é o caso de dividendos, mais-valias, juros, royalties, etc.

Este regime fiscal é concedido por um período de 10 anos com a possibilidade de suspensão e retoma do regime.

O que perde a economia nacional com o possível fim dos vistos gold?

O programa do Golden Visa iniciou-se em 2012 com o intuito de atrair o investimento estrangeiro e dar visibilidade ao nosso país. Passados 10 anos, e de acordo com as últimas estatísticas providenciadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), foram investidos € 6.609.272.282,02. Estes números, na nossa opinião, são bastante elucidativos em termos de expansão e, até mesmo, de progresso económico para o nosso país.

A possibilidade de término do programa dos vistos gold é, no nosso entendimento, ainda que este seja um tema controverso, preocupante.

Portugal encontra-se atualmente direcionado, não só para os seus cidadãos, mas também para os turistas em todos os setores do turismo, investidores e potenciais investidores.

Os investidores, ainda antes de serem investidores e de converterem as modalidades do visto gold em mais-valias, começam desde logo a contribuir para o crescimento da nossa economia mediante usufruto dos nossos serviços, como é o caso das áreas da restauração, hotelaria, seguros, transportes, centros e monumentos históricos, entre outros.

De facto, Portugal recebe diariamente centenas de turistas, entre eles, os potenciais investidores. O (possível) fim dos vistos gold em Portugal será igualmente sentido pela queda do turismo devido à redução do destaque e da visibilidade oferecida ao nosso país, o que também afetará o setor terciário, de construção, imobiliário, financeiro e empresarial.

Ora, focando-nos nas modalidades de imobiliário dos vistos gold direcionadas para a aquisição de uma propriedade, pressupõe o pagamento de impostos ao Estado, como o IMT, o IRS e o IMI.

Por sua vez, na área do imobiliário, há uma variante que prevê a realização de obras de reabilitação. Ora, esta modalidade visa, de forma indireta, a criação de postos de trabalho na área da construção civil e obras e, de forma direta, permite a reabilitação das propriedades, serviços estes que também seriam afetados pelo fim dos vistos gold.

Face a todo o exposto, consideramos que o término do golden visa não terá qualquer tipo de vantagem para a economia nacional e, por conseguinte, para a divulgação de Portugal além fronteiras.

Por que motivo apenas agora o governo está a avaliar a manutenção dos vistos gold? (Considerando que, segundo o Bloco de Esquerda, os vistos gold acabam por prejudicar os investimentos portugueses, aumentam os preços à habitação e sabe-se até de casos em que são utilizados como forma de lavagem de dinheiro.)

O Governo tem vindo a ser alvo de uma grande pressão, também pela União Europeia. No entanto, este programa, ao longo dos anos, tem estado em constante análise e mudança.

As alterações deste regime têm vindo a mostrar-se essenciais e arquitetadas pelo Governo em conformidade com a situação atual do país e suas necessidades. Por exemplo, os vistos gold têm permitido a publicitação e o desenvolvimento dos territórios do interior do país, Arquipélagos da Madeira e dos Açores, com o intuito de evitar os aglomerados nos centros.

A reabilitação urbanística que tem vindo a ser feita um pouco por todo o país (principalmente nos centros da capital, do Porto e de Coimbra) é um fator de relançamento da imagem do país que atraí mais investidores e visitantes a interessar-se e a promover Portugal no estrangeiro, prevendo, naturalmente, o aumento de preços. Também a pouca oferta de locais destinados a habitação no nosso país inflaciona o preço dos imóveis.

Por sua vez, no que concerne à eventual lavagem de dinheiro, é essencial salientar e defender as nossas organizações públicas e privadas que dispõem de um ou mais departamentos de compliance que se regem em função das Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo previstas na Lei nº 83/2017, de 18 de agosto, começando pelas instituições bancárias e financeiras portuguesas que são supervisionadas e fiscalizadas pelo Banco de Portugal. Nessa conformidade, também os advogados, solicitadores, notários e outros profissionais independentes da área jurídica, constituídos em sociedade ou em prática individual, profissionais ligadas a atividades imobiliárias, entre outros profissionais e atividades, estão obrigados a fazer “pré-aprovação” do perfil do investidor/cliente.

Qual a correlação entre os vistos gold e os nómadas digitais e o que isto significa para Portugal?

Na nossa opinião, não consideramos que haja qualquer tipo de correlação entre os vistos gold e os nómadas digitais, na medida em que são direcionados para indivíduos com perfis completamente diferenciados.

Os vistos gold são direcionados para um perfil investidor. Por sua vez, o regime dos nómadas digitais visa atrair trabalhadores subordinados ou independentes que exerçam funções para entidades estrangeiras de forma remota que queiram viver em Portugal.

Atendendo ao supra exposto, prevemos não só um aumento da economia, mas também da divulgação do nosso país como um dos melhores destinos para receber e preservar as comunidades estrangeiras que procuram Portugal, mais especificamente de investidores e nómadas digitais.

Quais as vantagens dos nómadas digitais numa economia como a portuguesa? Que valor traz este tipo de emigração?

Em termos práticos, prevemos um grande crescimento das comunidades (nómadas) digitais em Portugal; o conceito é igualmente recente, impulsionado pela pandemia SARS-COV-19, e direcionado, regra geral, às classes jovens e de média idade. Com isto, o país pretende também reduzir a população idosa que, de acordo com os Censos 2021, é correspondente a 182 idosos por cada 100 jovens.

Os nómadas digitais ao residirem em Portugal vão usufruir na íntegra dos nossos serviços, nomeadamente nas diversas áreas de consumo, educação, saúde, serviços, criação de empresas e postos de trabalho, imobiliário, entre outras. No que concerne à criação de postos de trabalho, cumpre salientar, ainda que a grande maioria dos nómadas digitais trabalhem por conta de outrem, muitos deles aspiram, após a fase de adaptação ao nosso país, abrir uma empresa em território nacional regida pelas leis e impostos portugueses que compreenda um conceito laboral semelhante, direcionado, quer para a comunidade estrangeira já residente e que pretende realocar-se em Portugal, quer para os cidadãos portugueses.

Face a todo o exposto, e visando a expansão da comunidade, prevemos um crescimento da economia a longo prazo, e não momentâneo, colocando Portugal como um dos destinos favoritos para os nómadas devido às suas condições únicas de adaptação de lifestyle conjugado com o meio rural, cidade e praia.

Portugal dispõe de legislação clara e adequada para acolher nómadas digitais? Ou existe alguma área, quer seja legal, fiscal ou de outra índole, que possa ser melhorada e facilitada?

Face às recentes alterações legislativas à Lei nº 23/2007, de 4 de julho, “Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional”, que entraram em vigor em finais de outubro de 2022, consideramos que a lei passou a ser bastante inclusiva no acolhimento dos nómadas digitais e respetivos membros de família. O legislador procurou encontrar e adaptar a legislação que já estava em vigor aos tempos atuais e modernos.

Ora, uma das grandes alterações e que consideramos como sendo uma das mais vantajosas para os que procuram o nosso país para residir, é o facto de receberem, após a aprovação do visto, o número de identificação fiscal (NIF), número de identificação de segurança social (NISS) e o número de utente (NU), permitindo, assim, proceder à abertura de conta bancária, aceder a todos os cuidados de saúde, vacinação e instituições hospitalares, proceder à inscrição escolar pública/privada, entre outras vantagens.

A nível fiscal, o legislador português não cuidou de esclarecer todas as questões que se impõem a esse nível, em especial quanto ao pagamento das contribuições para a Segurança Social.

Com efeito, não obstante existirem regras diferenciadas para trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes e de um modo geral, o nómada digital que resida em Portugal e trabalhe remotamente para entidades localizadas noutras jurisdições, deverá efetuar o pagamento das contribuições de Segurança Social neste país.

Ora, isso poderá obrigar a que as entidades estrangeiras sejam obrigadas a registarem-se em Portugal, para além do risco acrescido de a Autoridade Tributária portuguesa considerar que a empresa estrangeira possui estabelecimento estável em Portugal, decorrente da residência do seu trabalhador.

Desta forma, seria aconselhável o esclarecimento destas questões de tributação, apesar de não ser fácil, visto que existem conexões com outras jurisdições que, também, não pretendem prescindir de receitas fiscais.

Esperemos que os Postos Consulares Portugueses existentes no mundo já estejam dotados de todos os meios e mecanismos disponíveis e preparados para receber e atribuir este novo tipo de visto: nómada digital.

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