Abril 10, 2022

Imóveis e Criptomoedas – Parte II: Particularidades dos Contratos Promessa de Permuta

Assim como já referido nos nossos artigos anteriores, neste momento apenas é possível adquirir um imóvel através do “pagamento” direto de criptomoedas (definidas legalmente como ativos virtuais) caso seja celebrado um contrato de permuta através do qual dois sujeitos acordam que um deles cede um imóvel e, o outro, em troca, cede um determinado número de criptomoedas, não sendo possível celebrar um contrato de compra e venda convencional para adquirir diretamente um imóvel através do “pagamento” direto de criptomoedas.

Não obstante, antes da celebração do contrato definitivo (neste caso, o referido contrato de permuta) é comum as partes celebrarem um contrato promessa (que neste caso será um contrato promessa de permuta) através do qual as mesmas se obrigam reciprocamente a emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio jurídico prometido.

No que diz respeito a um contrato promessa de permuta de um imóvel por criptomoedas, existem algumas particularidades que devem ser tidas em consideração, nomeadamente:

  • Identificação das criptomoedas: Tendo em consideração que o número de criptomoedas existente neste momento é enorme e todas elas apresentam cotações de mercado completamente diferentes, é imprescindível que o contrato promessa de permuta de um imóvel por criptomoedas estabeleça qual será a moeda (ou moedas) a dar em troca (p. ex., Bitcoin, Litecoin, etc.) e qual o número de criptomoedas (ou parte delas) que será permutado pelo imóvel;

  • Valor em euros: Apesar de poder parecer estranho, além do valor em euros que as partes atribuem ao imóvel a permutar, as mesmas devem atribuir também um valor em euros às criptomoedas que serão cedidas em troca (uma vez que as mesmas não são consideradas legalmente uma moeda, podendo antes classificar-se como “coisas”, nos termos do artigo 202.º do Código Civil), valor este que deverá ser, em princípio, o mais aproximado à cotação de mercado que apresentam no momento da assinatura do contrato promessa de permuta;

  • Volatilidade das criptomoedas: Conforme é do conhecimento geral, as criptomoedas estão sujeitas a uma enorme volatilidade. Tendo em consideração que, entre a outorga do contrato promessa de permuta e o contrato de permuta definitivo a cotação de mercado das criptomoedas prometidas permutar pode alterar drasticamente (aumentando ou diminuindo), o contrato promessa de permuta deverá prever cláusulas que regulamentem esta situação e que possam permitir às partes, por exemplo, (i) resolver o contrato promessa de permuta caso exista uma desvalorização ou uma valorização das criptomoedas em causa a partir de uma determinada percentagem; (ii) possibilidade de aumentar ou reduzir a qualquer momento (desde a celebração do contrato promessa de permuta até à celebração do contrato de permuta definitivo), e dentro de determinados critérios, o valor em euros atribuído às criptomoedas prometidas permutar; (iii) possibilidade de aumentar ou reduzir a qualquer momento (desde a celebração do contrato promessa de permuta até à celebração do contrato de permuta definitivo), e dentro de determinados critérios, o número de criptomoedas (ou parte delas) a permutar pelo imóvel; (iv) possibilidade de prorrogar o prazo para celebração do contrato de permuta definitivo até que as criptomoedas prometidas permutar voltem a atingir um valor de mercado aproximado aquele que foi atribuído no contrato promessa de permuta, etc.

  • Forma de transferência das criptomoedas: Tendo em consideração que atualmente já existem várias entidades que se dedicam à armazenagem, administração e transferência de ativos virtuais, o ideal é que a transferência das criptomoedas prometidas permutar seja realizada através de uma destas plataformas autorizadas (vulgarmente conhecidas por exchanges), as quais permitem o registo das transações efetuadas e a emissão de comprovativos de transferência das criptomoedas. Uma vez que a transferência das criptomoedas prometidas permutar apenas acontecerá perto do momento da outorga do contrato de permuta definitivo, é importante (para que não existem quaisquer surpresas desagradáveis no futuro para qualquer uma das partes) que o contrato promessa de permuta já indique qual será a plataforma utilizada para realizar no futuro a transferência das criptomoedas prometidas permutar e, preferencialmente, que indique também as vulgarmente denominadas “chaves públicas” de origem e de destino das criptomoedas.

  • Entidades obrigadas: Conforme já referido em artigos anteriores, a grande parte das entidades que apresentam competência para promover atos notariais (p. ex., notários) são consideradas Entidades Obrigadas, nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. Neste sentido, as referidas entidades têm de dar cumprimento aos deveres preventivos que se encontram previstos no artigo 11.º e seguintes do referido diploma legal, sendo aqui especialmente importante o dever de comunicação previsto no artigo 43.º da referida Lei. Tendo em consideração que qualquer atividade que envolva a possível troca direta de imóveis por criptomoedas poderá ser considerada uma operação suspeita pelo notário que promoverá a autenticação do contrato de permuta definitivo, o mesmo fica obrigado a informar de imediato o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Assim, e para que toda esta situação não seja uma surpresa para as partes (ou apenas para alguma delas) é importante que o próprio contrato promessa de permuta preveja que, (i) a comunicação atrás referida poderá acontecer, (ii) que o detentor das criptomoedas obteve as mesmas de forma legítima e que possuí todos os registos suficientes para comprovar a forma como as obteve, registos estes que, idealmente, devem ser anexados ao próprio contrato promessa de permuta, (iii) que a celebração efetiva do contrato de permuta definitivo poderá ficar dependente da resposta do DCIAP e da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, etc.

Tendo em consideração as especificidades de uma permuta de um imóvel por criptomoedas, os pontos acima referidos são apenas alguns daqueles que devem estar previstos num contrato promessa de permuta de forma a salvaguardar ambas as partes. Na verdade, toda a novidade deste tema específico implica um cuidado acrescido em todas as decisões que são tomadas, sendo de extrema relevância a procura de orientação técnico-jurídica para a realização de um negócio nestes termos.

PRA