Fevereiro 10, 2022

Imóveis e Criptomoedas

Conforme já abordado no nosso artigo intitulado “É Possível Adquirir Imóveis Através de Moedas Virtuais?” (disponível para consulta aqui), a única forma de, neste momento, adquirir diretamente um imóvel através de moedas virtuais/criptomoedas (definidas legalmente como ativos virtuais) será, em princípio, através da celebração de um contrato de permuta através do qual dois sujeitos, dentro do princípio da liberdade contratual, acordam em que um deles cede um imóvel e, o outro, em troca, cede um determinado número de moedas virtuais/criptomoedas.

Certo é que, neste momento, está afastada a possibilidade de celebrar um contrato de compra e venda convencional para adquirir diretamente um imóvel através do pagamento de moedas virtuais/criptomoedas, pois, por um lado, a obrigação de pagamento do preço num contrato de compra e venda exprime-se numa quantia pecuniária (e as moedas virtuais/criptomoedas não têm curso legal como moeda) e, por outro lado, num contrato de compra e venda de um imóvel será sempre necessário fazer-se a indicação do momento em que o pagamento da quantia pecuniária ocorreu e qual foi o meio de pagamento utilizado.

No entanto, é necessário ter em consideração que a transmissão do direito de propriedade de um imóvel (seja através de compra e venda, permuta, ou outro modelo de negócio) terá sempre de ser celebrada através de escritura pública ou documento particular autenticado. Ora, a grande parte das entidades que apresentam competência para promover atos notariais (p. ex., notários) são consideradas Entidades Obrigadas, nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto (a qual estabelece as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo), tendo as mesmas de dar cumprimento aos deveres preventivos que se encontram previstos no artigo 11.º e seguintes do referido diploma legal.

Assim, e no que a um contrato de permuta de um imóvel por moedas virtuais/criptomoedas diz respeito, é necessário ter particular atenção ao dever de comunicação. Ora, relativamente a este dever, estipula o n.º 1 do artigo 43.º da referida Lei n.º 83/2017 que, as Entidades Obrigadas, sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo, estão obrigadas a informar de imediato o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Ora, qualquer atividade que envolva a possível troca de imóveis por moedas virtuais/criptomoedas poderá ser considerada uma operação suspeita, motivo pelo qual a comunicação acima referida deverá acontecer antes da realização do negócio.

Face ao exposto, e devido à referida comunicação, é de extrema importância que o sujeito detentor das moedas virtuais/criptomoedas verifique se, antes da realização de qualquer negociação para permutar as mesmas por um imóvel, possui registos suficientes para provar que é o detentor legítimo das referidas moedas virtuais/criptomoedas, assim como registos suficientes para provar a forma como as adquiriu (o que, por vezes, poderá ser bastante difícil), pois, caso não o faça, existe uma enorme probabilidade do mesmo vir a ser indiciado pela prática de um crime de branqueamento de capitais.

Realizada a comunicação acima referida e, caso da análise das autoridades competentes, não resulte qualquer suspeita da prática de um crime de branqueamento de capitais ou de financiamento ao terrorismo, o contrato de permuta poderá, em princípio, ser celebrado, desde que claramente também estejam devidamente preenchidos todos os outros deveres preventivos previstos no referido artigo 11.º e seguintes da referida Lei n.º 83/2017 (p. ex., dever de identificação e diligência, de conservação, etc.), e caso a documentação relativa ao imóvel a permutar (p. ex., certidão do registo predial, caderneta predial, licença de utilização, certificado energético, etc.) esteja devidamente regularizada.

Para que não sejam levantadas quaisquer dúvidas quanto à efetiva transferência das moedas virtuais/criptomoedas, deverá existir um comprovativo que confirme essa transferência (o qual deverá ser arquivado pelas Entidades Obrigadas) e os dados relativos a essa mesma transferência devem constar, preferencialmente, do próprio texto do contrato de permuta. Tendo em consideração que hoje já são várias as entidades (estrangeiras e portuguesas, tendo estas últimas de se encontrar devidamente registadas junto do Banco de Portugal, que detém, à data, três entidades com registo, habilitadas para o exercício de atividades com ativos virtuais) que se dedicam à armazenagem, administração e transferência de ativos virtuais, a obtenção de um comprovativo que confirme, num caso concreto, a transferência das moedas virtuais/criptomoedas (e do qual eventualmente até resulte a indicação das vulgarmente denominadas “chaves públicas”, que equivalem, numa espécie de exercício de comparação, aos IBAN’s das tradicionais contas bancárias) não será difícil.

Além disto, do próprio contrato de permuta deverá resultar o valor (refletido em euros) que as partes atribuem, por um lado, ao imóvel e, por outro lado, às moedas virtuais/criptomoedas que serão trocadas pelo referido imóvel. Isto é, tendo em consideração que, ao dia de hoje, as moedas virtuais/criptomoedas se podem classificar como “coisas” nos termos do artigo 202.º do Código Civil (não se podendo classificar como moedas com curso legal), as partes devem, dentro do princípio da liberdade contratual (consignada no artigo 405.º do Código Civil), atribuir um valor concreto em euros ao número de moedas virtuais/criptomoedas que serão trocadas, valor este que, em princípio, será o mais aproximado ao valor de mercado.

Em jeito de conclusão, cumpre referir que, tudo o que aqui foi abordado é dirigido essencialmente para aqueles casos concretos em que há uma aquisição direta de um imóvel através do “pagamento” direto de moedas virtuais/criptomoedas, pois, caso exista, previamente à celebração do negócio definitivo, uma “conversão” das moedas virtuais/criptomoedas para euros por parte do comprador do imóvel em causa, o negócio que se irá celebrar, neste caso concreto, é um contrato de compra e venda convencional, onde o pagamento do preço é efetuado através de uma quantia pecuniária.

No entanto, importa ter em atenção que, face à ausência de legislação concreta e devido à existência de várias dúvidas sobre este tema, não há ainda muitas respostas que possam ser encaradas como certas, devendo existir particular atenção sempre que se pretenda avançar com negociações no sentido de adquirir imóveis por intermédio de moedas virtuais/criptomoedas, bem como a procura de orientação técnico-jurídica ao caso aplicável.

PRA